Wednesday, June 24, 2009

Série "cartões postais da cidade maravilhosa" III - Ilha Fiscal

Ilha Fiscal
Foto de Marc Ferrez, 1885.

“Nenhuma dessas coisas preocupava Natividade. Mais depressa cuidaria do baile da ilha Fiscal, que se realizou em novembro para honrar os oficiais chilenos. Não é que ainda dançasse, mas sabia-lhe bem ver dançar os outros, e tinha agora a opinião de que a dança é um prazer dos olhos. Essa opinião é um dos efeitos daquele mau costume de envelhecer. Não pegues tal costume, leitora. Há outros, também ruins, nenhum pior, este é o péssimo. Deixa lá dizerem filósofos que a velhice é um estado útil pela experiência e outras vantagens. Não envelheças, amiga minha, por mais que os anos te convidem a deixar a primavera; quando muito, aceita o estio. O estio é bom, cálido, as noites são breves, é certo, mas as madrugadas não trazem neblina, e o céu aparece logo azul. Assim dançarás sempre.”
Machado de Assis, Esaú e Jacó

Tuesday, June 23, 2009

Série "cartões postais da cidade maravilhosa" II - Pão de Açúcar

Pão de Açúcar antigo. Foto de autor desconhecido.
Fonte:
http://www.starnews2001.com.br/bondinho_rio.html

"Na porta já havia alguns visitantes à espera do bonde. Como não estivesse o veículo no ponto, foram indo ao longo da fachada do manicômio até lá. Em meio do caminho, encontraram, encostada no gradil, uma velha preta a chorar. Coleoni, sempre bom, chegou-se a ela:
- Que tem minha velha?
A pobre mulher deitou sobre ele um demorado olhar, úmido e doce, cheio de uma irremediável tristeza, e respondeu:
- Ah! Meu sinhô!... É triste... Um filho tão bom, coitado!
E continuou a chorar. Coleoni começou a comover-se; a filha olhou-a com interesse e perguntou no fim de um instante:
- Morreu?
- Antes fosse, sinhazinha.
E entre lágrimas e soluços contou que o filho não a conhecia mais, não lhe respondia às perguntas; era como um estranho. Enxugou as lágrimas e concluiu:
- Foi coisa-feita.
Os dois afastaram-se tristes, levando n'alma um pouco daquela humilde dor.
O dia estava fresco e a viração, que começava a soprar, enrugava a face do mar em pequenas ondas brancas. O Pão de Açúcar erguia-se negro, hirto, solene, das ondas espumejantes, e como que punha uma sombra no dia muito claro."

Lima Barreto, Triste fim de Policarpo Quaresma.


Monday, June 22, 2009

Série "cartões postais da cidade maravilhosa" I - Cascatinha Taunay

Foto: Thiago R. Pires
"Brancos lençóis de espuma se desdobravam pelas escarpas do rochedo, como as pregas de alvo manto flutuando sobre as espáduas de Agar, a africana. A vegetação se debruçando de um e outro lado, derrama sobre a cachoeira uma sombra doce, que torna mais negra a pedra e mais cândida a espuma. Há cascatas muito mais ricas e abundantes do que essa, não só na grande massa das águas, como na vastidão e aspereza dos penhascos. Têm, sem dúvida aspecto mais soberbo e majestoso; inspiram n'alma pensamentos mais graves e sublimes. A Cascatinha da Tijuca, porém, prima pela graça; não é esplêndida, é mimosa; em vez da pompa selvagem respira uma certa gentileza de moça elegante; bem se vê que não é uma filha do deserto; está a duas horas da corte, recebe freqüentemente diplomatas, estrangeiros ilustres e a melhor sociedade do Rio de Janeiro. Assim não se despenha ela com a fúria de uma serpente, mas com a indolência com que uma senhora da moda se derreia no recosto do divã. Sua voz não é um trovão, mas um rumorejo que embala docemente o coração. Perto dela sente-se no ar o hálito fresco das águas que se esfrolam, e não a constante neblina produzida pelos borbotões que se desfazem em pó com a violência do choque."
José de Alencar, Sonhos d'ouro.