Tuesday, January 23, 2007

Um bom Argumento


Dirigida por Barbosa Lima Sobrinho, a revista Argumento, considerada um marco cultural de resistência ao poder estabelecido pela força das armas – leia-se “ditadura militar” – no Brasil, teve apenas quatro números publicados, correspondentes aos meses de outubro e novembro de 1973 e janeiro e fevereiro de 1974. Embora a luta desigual da palavra contra as armas tenha favorecido estas últimas, pondo fim à promissora publicação, encontram-se, nesses quatro números, textos fundamentais, felizmente publicados depois em livros, e que sem dúvida deram a sua contribuição para o debate sobre a cultura e a sociedade no Brasil. Lá estão, por exemplo, os ensaios “Literatura e subdesenvolvimento”, de Antonio Cândido, “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, de Paulo Emílio Salles Gomes, e “Criando o romance brasileiro”, de Roberto Schwarz. As idéias de Anatol Rosenfeld, Jean Claude Bernardet, Celso Lafer, Fernando Peixoto, Ismail Xavier, Thomas Skidmore, Angel Rama, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Antonio Callado, Gianfrancesco Guarnieri, Otto Maria Carpeaux, entre outros, também estão presentes nas páginas da Argumento, contribuindo para o pensamento crítico sobre o Brasil, num período tão crítico da história brasileira. Eis o que traz o editorial de abertura da revista, constante em seu primeiro número:

“A natureza social tem horror ao vácuo cultural e tende a preenchê-lo de uma forma ou de outra. Umas das formas de fazê-lo é utilizando a dependência, a acomodação, o arrivismo.
A nossa pretende ser a outra forma, a que se definirá no percurso do nosso grupo. Este é vário na idade e na preocupação, mas se unifica no entendimento em criar um vínculo novo para o que há de vivo, válido e independente na circunstância cultural brasileira; e um ponto de encontro com o pensamento de outras terras, notadamente as do continente.
Os obstáculos que eventualmente encontrarmos e os estímulos que recebermos serão igualmente indicativos da utilidade de nossa função. Muito intelectual brasileiro foi arrancado de seu mundo e é preciso que encontre um terreno onde possa novamente se enraizar. A limitação de nosso campo poderá ainda ser restringida, mas sempre haverá um papel a ser cumprido pelo intelectual que resolva sair da perplexidade e se recuse a cair no desespero.
Nascemos sem ilusões e não está em nosso programa nutri-las. A independência custa caro e não encoraja as subvenções. Não temos propriamente o que vender mas nos achamos em condições de propor um esforço de lucidez. Esta não é artigo de luxo ou de consumo fácil mas em qualquer tempo é alimento indispensável pelo menos para alguns. Sua raridade é, aliás, sempre provisória; tudo que a lucidez revela tende a se transformar em óbvio.
Contra fato há argumento.”*

Rio, 22/01/07

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Isabel Pires