Tuesday, February 12, 2008

O livro através dos tempos

(A Bíblia, de Van Gogh)
Isabel Pires

Quando os sumérios inventaram, na região da antiga Mesopotâmia, um sistema de escrita, em toscas placas de argila e sinais cuneiformes, há cerca de seis mil anos atrás, talvez não imaginassem que a sua invenção fosse algo tão revolucionário, a ponto de inaugurar a própria História da humanidade. Posteriormente, os fenícios criaram 22 signos visuais, que, combinados, permitiam escrever as palavras. Mas foi somente com os gregos, na época helenística, que o alfabeto tornou-se aperfeiçoado, com 24 caracteres divididos em vogais e consoantes. A partir do alfabeto grego, surgiu o alfabeto latino, muito difundido durante a Antiguidade Clássica pela expansão do Império Romano.

Na Antiguidade, os livros, em formato de rolos, eram escritos em pergaminho, material caro e escasso, o que fazia do livro um produto muito oneroso. O meio de reprodução dos livros era cansativo em excesso, pois implicava copiá-los manualmente, um a um, o que podia gerar algumas distorções e falhas, como trocas de letras que alteravam o sentido da frase ou mesmo omissões de trechos inteiros. Por ser considerada uma atividade sem nobreza alguma, a transcrição dos textos para o pergaminho era feita por “escribas” especialmente contratados para essa função, e que atendiam não apenas a filósofos e dramaturgos, como Aristóteles e Eurípedes, por exemplo, mas também aos grandes oradores das tribunas romanas, para quem os escribas muitas vezes transcreviam os discursos.

Havia também os famosos “palimpsestos”, os pergaminhos reaproveitados para uma nova escrita sobre a anterior, que por sua vez, e na medida do possível, era apagada. Dependendo do estado do pergaminho, as camadas de textos anteriores ficavam perfeitamente visíveis, podendo ser lidas mesmo sob a nova escrita. Geralmente, os palimpsestos eram utilizados em textos “descartáveis”, como bilhetes e cartas pessoais, ou que não houvesse interesse na sua conservação. Por economia, apenas os textos que seriam preservados, como obras literárias e filosóficas e documentos públicos, eram copiados em pergaminhos novos e guardados em bibliotecas, como a biblioteca de Alexandria, responsável pela preservação de grande parte da cultura greco-romana. Mas não foi nessa época que o livro alcançou seu apogeu.

Por volta dos séculos VIII a X, na Alta Idade Média, os livros já haviam adquirido uma forma plana, encadernada, não sendo mais lidos em rolos, como os livros antigos. Porém, ainda eram confeccionados em pergaminhos e continuavam a depender de reprodução manual, agora feita não pelos antigos escribas, mas por copistas – os scriptoria –, longamente preparados, no interior silencioso dos mosteiros, para essa função.

Na época medieval, a leitura e a escrita eram controladas pela Igreja. A maioria da população européia se constituía de analfabetos, incluindo membros da própria nobreza. A leitura não era um hábito e tampouco era considerada uma atividade essencial, como a guerra santa, as cruzadas, e até mesmo as caçadas, atividades desenvolvidas largamente pelos nobres. Havia homens cultos, interessados no saber, bem como havia as grandes bibliotecas dos príncipes. No entanto, era mesmo aos monges enclausurados que se reservavam as “atividades do espírito”. Foram eles, os monges, os responsáveis pelo desenvolvimento e valorização do livro. Confeccionados muitas vezes em velino, um delicado pergaminho feito de pele de vitela, com capa em couro – que substituiu as antigas e pesadas capas de marfim, cobre e até mesmo de prata – e escritos cuidadosamente a bico de pena, o livro medieval tornou-se pouco a pouco uma verdadeira obra de arte, uma jóia rara, quase uma relíquia sagrada.

Ao analisar a reprodução técnica da arte, Walter Benjamin comparou as primeiras fotografias produzidas no século XIX com as imagens religiosas encerradas nas igrejas medievais. Para o filósofo, aquelas fotos, em forma ovalada, possuíam uma “aura” única, análoga somente à aura de religiosidade e misticismo que cercava as imagens dos anjos e santos católicos em seus nichos indevassáveis, protegidos de olhares curiosos. No caso do livro medieval, porém, não era mera aura (com o perdão da má figura da sintaxe) que o cercava. Ele próprio tornara-se alvo de culto e veneração. Tratava-se de um objeto único, produzido por iniciados para o deleite apenas de iniciados. O livro beirava a perfeição.

Com o passar do tempo, porém, a Igreja enfrentava seus próprios desafios, e o maior deles era a entrada praticamente massiva em suas fileiras de gente do povo. Formada antes quase que exclusivamente por membros da nobreza que renunciavam à vida de desregramentos e ostentação, a Igreja medieval havia se tornado demasiadamente elitista. No entanto, com o declínio do feudalismo a partir do século XI – quando se inicia a Baixa Idade Média –, essa elite religiosa foi progressivamente se abrindo a novas experiências.

A larga entrada no clero de pessoas de origem plebéia se deveu a vários fatores, mas era principalmente uma tentativa de fugir ao alistamento militar obrigatório, que fornecia soldados em tempos de guerra. Como se sabe, a Europa nunca primou por ser um território pacífico e, desde sua ocupação, enfrentou guerras localizadas ou espalhadas pelo continente, mas que de todo modo dizimavam as populações. Além das guerras locais por território, houve também as Cruzadas, ou "Guerras Santas", contra os muçulmanos para tomada da Terra Santa e de Jerusalém. Essa série de guerras foi incentivada pelo Papa Urbano II, que prometia a salvação aos que morressem em combate. Iniciadas em 1096 com a Primeira Cruzada, que durou até 1099, as Cruzadas tiveram fim em 1272, com a Nona Cruzada.

Os “novos religiosos” que ingressavam na Igreja freqüentemente abandonavam-na quando o período mais turbulento das guerras tinha fim. No entanto, a sua passagem pelas fileiras clericais lhes rendia um ganho cultural inestimável, uma vez que lá eles se instruíam, aprendendo, entre outras matérias, latim e música sacra. Foi assim que surgiram os chamados Goliardos, os clerigo ragante. Esses grupos, formados basicamente de artistas de diversas origens sociais, egressos da Igreja, valiam-se dos seus conhecimentos eruditos, adquiridos no mosteiro, para dedicar-se à canção de caráter crítico e debochado, apresentada em espetáculos itinerantes. Especialistas em parodiar os dogmas católicos, deturpando-lhes o sentido, os goliardos surgiram primeiramente em Colônia, na Alemanha, expandindo-se depois por toda a Europa. A expressão Universais ante Rem, base do teocentrismo medieval, é transformada por eles em Universais in re (“as coisas só existem quando acontecem”). Essas deturpações demonstram a visão materialista que os goliardos possuíam do mundo, verificada também na máxima Carpe diem (“viva o momento”). Por outro lado, sua poesia lírica possuía um viés marcadamente platônico. Um volume do século XII, com mais de 200 canções goliardas, entre líricas e satíricas, foi encontrado em uma abadia na Baviera, em 1803. Posteriormente, em 1847, esses textos foram publicados na coletânea intitulada Carmina burana. A partir dessa herança goliarda, o compositor alemão Carl Off compôs, em 1937, uma cantata, também intitulada Carmina burana, ajudando deste modo a divulgar a cultura goliarda na época atual. Os Goliardos esmolavam muitas vezes, mas freqüentemente também eram sustentados pela burguesia em ascensão, e acabaram influenciando outros grupos, como os Hablet.

Atenta aos novos tempos, a Igreja antecipou-se, fundando universidades e colégios laicos, nos quais ser religioso não era requisito obrigatório para se ter acesso ao conhecimento – embora este ainda fosse ministrado por quem o detinha, ou seja, o corpo clerical. O interesse da aristocracia pela cultura também se ampliou, graças, em parte, ao gosto pelas canções dos trovadores, que haviam conseguido penetrar nas cortes palacianas para divertir os nobres – o que permitiu gerar o conceito de “amor cortês”, cunhado por Gastón Paris no século XIX. Originados na cultura popular oral, os cancioneiros passam, a partir do século XII, a ser coletados e registrados por escrito, sobretudo em galego-português, a “língua literária” da Península Ibérica. Alguns reis – como Afonso X, o Sábio, rei da Galícia, ele próprio compositor de canções religiosas e de amigo – incentivavam a cultura trovadoresca, financiando as despesas para que as canções fossem copiadas em livros e, claro, guardadas em bibliotecas. Da época do Trovadorismo, dominada pelos aedos, bardos, jograis e menestréis, restaram algumas importantes coleções de cancioneiros – o Cancioneiro da Ajuda, do século XIII, que contém somente cantigas de amor, de origem provençal, e os Cancioneiros que se encontram sob a guarda da Biblioteca Nacional e da Vaticana, todos em Portugal. Na prosa, o grande destaque eram as novelas de cavalaria. Os textos que compõem a Demanda do Santo Graal, a mais importante do gênero, foram reunidos pela primeira vez, por escrito, por Chrétien de Troyes, na França, entre 1162 e 1182. Nessa novela, as lendas do Rei Artur, herdeiras da cultura céltica-bretã, se misturam à história do Santo Graal, pertencente ao cristianismo, verificando-se assim uma associação entre magia e religião que caracteriza as “maravilhas” – mágicas, feitiços, interferência divina, etc. – presentes na narrativa. Em menor escala, as hagiografias, escritas em latim e patrocinadas pela Igreja, também são representativas da prosa do final da Idade Média.

Com a difusão cada vez mais acelerada do conhecimento, os scriptoria dos mosteiros já não conseguiam suprir a demanda por livros. Assim, a função de copista também se laiciza e os livros passam a ser copiados por profissionais, recrutados entre artesãos. O material utilizado deixa de ser o delicado velino dos monges e passa, a partir do século XII, a ser um papel fabricado de trapos, grosso e escuro, chamado de “pergaminho de trapo”, inventado pelos chineses ainda no século II e introduzido na Europa com a invasão da Península Ibérica pelos judeus e muçulmanos. Iniciava-se o declínio do livro como artefato cultural mítico, um objeto quase “sagrado”, venerado e cultuado pelos monges medievais. Embora alguns exemplares ainda ostentassem uma encadernação luxuosa, feita por ateliês especializados para atender a encomendas de mecenas e ricos bibliófilos, as páginas dos livros eram compostas pelo papel de trapo, material bastante rústico em comparação com o pergaminho e sobretudo com o velino. Com o grande emprego do papel de trapos, os custos dos livros barateiam relativamente, permitindo alguma expansão na sua produção. As bibliotecas de universidades se instalam a partir do século XV, mas, antes disso, ainda no século XIV, já se verificava um considerável aumento no número e tamanho de bibliotecas particulares, pertencentes a burgueses abastados, para quem os livros, ainda em pergaminhos, funcionavam como forma de entesouramento, devido ao seu alto valor de mercado.

A partir de 1450, na Alemanha, com o advento da imprensa, que facilitou ao extremo a reprodução do livro, a demanda por papel se acelera vertiginosamente, elevando novamente os custos, devido à escassez da matéria-prima utilizada – os trapos de roupas velhas, insuficientes para dar conta da nova procura. Nessa época de “incunábulos” – como são conhecidos os primeiros livros impressos –, o livro mais reproduzido era a Bíblia Sagrada, sendo a mais famosa a Bíblia de Guttenberg, chamada de B-42 por apresentar, em cada uma das 1.282 páginas, duas colunas com 42 linhas. A imprensa, a “reprodução técnica da escrita” que provocou “gigantescas transformações”, nas palavras de Walter Benjamin, porém, não acabou de vez com os copistas, que continuaram sua atividade até meados do século XVI. No entanto, teve o mérito de alargar o público leitor, gerando “bibliotecas mínimas” (conforme expressão de Pierre Aquilon), constituídas não mais pelos homens cultos da Idade Média, como médicos, advogados, procuradores, juízes ou oficiais do rei, que, por força do ofício, necessitavam consultar os livros, mas por gente simples do povo, como oficiais subalternos, vigários de localidades humildes, etc. Progressivamente, foram surgindo bibliotecas em que a literatura e a língua vernáculas ganhavam um espaço cada vez maior nas estantes, embora a maioria das obras continuasse sendo publicada em latim, a “língua da cultura”.

As intensas atividades comerciais e marítimas das cidades de Gênova e Veneza, entre os séculos XIV e XV, ajudaram a disseminar o interesse dos primeiros humanistas italianos pela cultura clássica, antes restrita ao interior dos mosteiros medievais. O resgate da cultura greco-romana, que caracterizou o início da Renascença, transformou radicalmente os valores do homem comum europeu. O teocentrismo medieval foi sendo deixado de lado, substituído pelo antropocentrismo que tomou conta da filosofia e das artes, da religião e da ciência. Surge o protestantismo, pregando a volta ao cristianismo primitivo, baseado no Novo Testamento e na figura do Cristo humanizado, em substituição aos abusos cometidos pela Igreja em nome do Deus vingativo do Antigo Testamento. As novelas de cavalaria deste período abandonam o teocentrismo por completo. Assim, os seus heróis não são mais “guerreiros de Deus” em busca do cálice sagrado, como na Demanda do Santo Graal, mas passam a ser devotados ao amor casto de uma dama, por quem lutam. A novela mais representativa do período é o Amadis de Gaula, cuja versão mais antiga já conhecida foi impressa por Rodriguez de Montalvo em 1508, em castelhano, a partir de uma versão em português do século XIII, de Vasco de Lobeira, não coletada por escrito.

Com suas feiticeiras, magos, monstros, princesas, donzelas e cavaleiros, o Amadis de Gaula sem dúvida dá continuidade à valorização da cultura céltica, presente também na Demanda do Santo Graal. Nesta última, porém, as “maravilhas” recebem forte influência do cristianismo, tornando-se assim um produto tanto do paganismo céltico quanto dos valores cristãos medievais. A figura do mago Merlin, espécie de semideus, representa, na Demanda, uma perfeita síntese destes dois mundos, detendo o poder sobre ambos e possuindo o conhecimento do passado, do presente e do futuro. O Amadis de Gaula, por seu turno, misturando crenças célticas e lendas de origem greco-romana, irá execer grande influência em toda a Europa, dando origem ao surgimento de “continuações” da história ou a novas novelas, como Palmerim de Inglaterra, em Portugal.

Durante o Renascimento, na esteira do Humanismo reinante, a onda de celticismo, isto é, o conjunto de crenças pagãs que havia dominado as novelas de cavalaria, será substituída por uma onda de ceticismo que teve lugar, na Europa, graças ao resgate da obra de Sexto Empírico, médico grego adepto da corrente empirista e da doutrina cética, fundada por Pirro no século III a. C. Composta em dez livros confeccionados em rolos de pergaminho – cada “livro” corresponderia a um rolo, oscilando entre 1.800 e 3.600 linhas, o que equivaleria a cerca de 50 a 100 páginas de um livro atual –, a obra de Sexto Empírico foi escrita em grego por volta de 200 a 220 d. C. Os três primeiros livros (com 2 mil, 2.100 e 2.500 linhas, respectivamente) constituem as Hipotiposis pirronicas, enquanto os outros sete são designados pelo título de Adversus mathematicus. Em 1562, o editor francês Henri Estienne publica uma tradução das Hipotiposis para o latim, e em 1569, Gentien Hervert, outro editor francês, publica o Adversus mathematicus, também em latim. Finalmente, em 1580 são publicados Os ensaios, de Montaigne. Dessa coletânea, um dos ensaios, “A apologia de Raymond Sebond” , tornou-se célebre, por trazer à discussão a obra de Sexto Empírico. Deste modo, Montaigne, retomando o ceticismo de Sexto Empírico no contexto do Renascimento, o faz amplamente conhecido e debatido nos meios intelectuais europeus. Mais tarde, na literatura, o ceticismo marcaria presença no Dom Quixote, de Cervantes.

Publicada em castalhano em 1605 e considerada a precursora do romance moderno, a obra de Cervantes, satirizando e parodiando os valores e ideais do imaginário medieval, que tinha na figura do “monge-guerreiro” o seu maior símbolo, elimina por completo o elemento mágico presente nas novelas de cavalaria medievais, conferindo ao seu herói, o “cavaleiro da triste figura”, uma condição essencialmente humana. Abandonado pelas forças ocultas da magia e pelo transcendentalismo da religião, o cavaleiro de Cervantes se defronta com um mundo subitamente desprovido de fronteiras – o mundo da Europa renascentista –, com o qual está sempre a pelejar.

A ênfase na condição humana bem como no papel desempenhado pelas circunstâncias, elementos ressaltados pelo ceticismo e fartamente presentes no Dom Quixote, serão ingredientes retomados e trabalhados pelos escritores de língua inglesa, considerados os “pais do romance moderno”, como Daniel Defoe, autor de Robinson Crusoe (1719), Henry Fielding, com o seu A história de Tom Jones (1749), Lawrence Sterne, que escreveu durante dez anos A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy (1759-1769), Walter Scott, considerado o fundador do romance histórico, com Ivanhoé (1819) ao lado de inúmeros outros títulos, e finalmente Charles Dickens, dono de numerosa obra, dentro da qual se encontra Oliver Twist (1837-1839).

Quanto ao papel empregado na produção dos livros, até 1750 era predominante o uso do “pergaminho de trapos”, inventado pelos chineses desde o século II e que havia sido introduzido na Europa apenas no século XII. Somente a partir da segunda metade do século XVIII, o papel sofre um considerável aperfeiçoamento, apresentando uma textura acetinada e livre de sulcos, graças a qual foi batizado de “papel velino”. Adotado imediatamente por alguns impressores franceses, seguidos dos italianos, esse tipo de papel, porém, era bem menos resistente que o papel de trapos anterior. No final do século XVIII, inaugura-se a era da fabricação de papel em grande escala, com a utilização de máquinas de produção continuada. No entanto, o avanço tecnológico não barateou os custos dos livros. A matéria-prima continuava sendo os velhos trapos, cada vez mais insuficientes para dar conta da demanda, ampliada desmesuradamente pelos jornais, cuja tiragem passou a ser diária.

Julho de 1836 marca a data em que Émile de Girardin, editor do jornal francês La Presse, começa a publicar em capítulos semanais, no rodapé do jornal (em que se publicavam “variedades”, como críticas literárias, resenhas teatrais, anúncios diversos e receitas culinárias), o romance La Vieille Fille, de Balzac, dando origem assim aos folhetins que dominaram o século XIX. A inovação tecnológica da rotativa, acelerando a tiragem do jornal, que passou de 1.100 páginas impressas por hora para 18 mil páginas, aumentou a competição entre os principais jornais parisienses, como La Presse e Le Siècle. Na disputa pelo público leitor, os jornais passaram a lançar mão do romance-folhetim, dos horóscopos e dos quadrinhos, elevando as vendas e pressionando ainda mais a demanda por papel. Para supri-la, fez-se necessário buscar-se outras fontes de matéria-prima para a confecção de papel. Surge assim, no século XIX, o papel feito de polpa de madeira, a celulose, utilizado comumente hoje em dia.

No entanto, se o pergaminho havia exigido o sacrifício de grande número de animais – problema que o papel de trapos dos chineses conseguiu contornar –, a produção do papel de celulose atual traz consigo outras questões, como a questão ambiental, que faz parte da agenda de debates políticos e econômicos. Num tempo em que cada vez mais se populariza o uso do computador e da Internet, o e-book já é uma realidade. Muitas obras de domínio público encontram-se disponíveis na rede virtual, podendo ser lidas na tela fosforescente do computador, ou mesmo em páginas de papel reciclado. Se a produção do humilde papel de trapos – utilizado, porém, como suporte para muitas obras-primas da literatura – não é mais viável industrialmente, e se a indústria da celulose traz conseqüências indesejáveis ao meio-ambiente, formas alternativas de reprodução dos livros certamente devem ser tentadas, e o computador, sem dúvida, terá papel decisivo nesses esforços. Os “efeitos coletarais”, se existirem, de tal tentativa, apenas o tempo poderá revelar. 

Este trabalho se beneficiou da leitura dos seguintes textos:

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. V. 1. Trad. Sergio Paulo Rouanet. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. 

CAMPOS, Arnaldo. “O livro de papel”. Publicado originalmente com o título “A arte do livro” em BERND, Zilá (org.), A magia do papel. Porto Alegre: Riocell/Marprom, 1994. Disponível, com autorização do autor, em www.escritoriodolivro.org.br/historias/arnaldo.html 

EMPÍRICO, Sexto. Esbozos pirrónicos. Introducción, traducción y notas de Antonio G. Cao e Teresa M. Diego. Madrid: Editorial Gredos, 1993. 

MONGELLI, Lênia M. de Medeiros. “A novela de cavalaria: A Demanda do Santo Graal”. In: MALEVAL, Maria do Amparo Tavares (Org.). A literatura portuguesa em perspectiva. Direção de Massaud Moisés. São Paulo: Atlas, 1992, p. 55 a 78. 

PIRES, Isabel. “Antropocentrismo, ironia e modo de produção cultural na literatura cética”. In: BERNARDO, Gustavo (editor). Dubito Ergo Sum – Caderno de ficção e filosofia. Site na internet em: http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/orientando04.htm ____________. “O folhetim”. In: Pires, Isabel (editora). O dragão de São Jorge. Blog de literatura na internet em http://odragaodesaojorge.blogspot.com/2005_06_01_archive.html 

SARAIVA, A. J. e LOPES, O. História de Literatura Portuguesa. Rio de Janeiro: Companhia Brasileira de Publicações, 1969. 

SARAIVA, José Hermano. Pequena História das Grandes Nações: Portugal. São Paulo: Círculo do Livro. (s/d) 

VERGER, Jacques. Homens e saber na Idade Média. Trad. Carlota Boto. Bauru: Edusc, 1999. (O capítulo III, “Os livros na Idade Média”, está disponível na internet, no endereço www.escritoriodolivro.org.br/historias/idademedia.html – com autorização da editora.)