Apontamentos sobre Sociologia
Isabel Pires
A Sociologia é a ciência que estuda as sociedades humanas contemporâneas, seu modo de organização e os acontecimentos inerentes a ela, como problemas e realizações. Se comparada a outros campos do conhecimento, como a Filosofia, por exemplo, que tem raízes na Antiguidade Clássica, a Sociologia é uma ciência bastante recente. Embora o termo “sociologia” tenha sido criado por Augusto Comte na primeira metade do século XIX, a Sociologia, enquanto ciência autônoma e com uma metodologia própria, foi fundada somente na virada do século XIX para o XX, quando surgiram os trabalhos do francês Émile Durkheim e do alemão Max Weber.
Origens
A Sociologia se fundamenta em duas grandes correntes
do pensamento europeu do século XIX: o Positivismo e o Marxismo.
O Positivismo, doutrina que teve o francês August
Comte (1798-1857) como o seu maior representante, com o Curso de filosofia positiva, publicado entre 1830 e 1842,
fundamenta-se na ideia de progresso constante e valorização da racionalidade. Deixando
de lado as crendices e superstições que vigoraram durante todo o período do
feudalismo, o pensamento positivista é herdeiro do Iluminismo, que vigorou no
século XVIII, com a sua valorização exacerbada das “luzes”, isto é, das ideias
“claras”, “racionais” e “científicas”. Embora o Positivismo, com sua “fé no
progresso”, proponha a substituição da Teologia pela racionalidade da Ciência,
aplicando às ciências sociais os métodos utilizados nas matemáticas para
extrair leis que regem o desenvolvimento da sociedade, ele próprio passaria a
constituir, no final da vida de Comte, uma nova proposta de religião – a
“religião positiva”.
Por sua vez, o Marxismo, fundado por Karl Marx
(1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) na segunda metade do século XIX, originou-se
de movimentos do operariado alemão e inglês. Alicerçado em bases científicas, o marxismo prega a abolição da propriedade privada e da sociedade de classes, e a
substituição do capitalismo pelo socialismo e depois pelo comunismo. A
principal obra de Marx – O capital,
livro em três volumes – faz uma análise das condições históricas do fim do feudalismo
e surgimento do capitalismo, e foi escrito em Londres, onde Marx exilou-se em
1849, após ser expulso da Alemanha devido às suas ideias políticas. Antes,
porém, de se dedicar à escrita de O
capital, Marx escreveu outros trabalhos, alguns em conjunto com o seu amigo
e protetor Friedrich Engels, como A
sagrada família (1845) e Manifesto do
partido comunista (1848). Em dois outros trabalhos, escritos somente por
Marx, encontram-se já as bases e conceitos mais importantes do marxismo, como
os conceitos de alienação e de materialismo histórico: A ideologia alemã (escrito em 1845, mas publicado somente em 1932)
e Miséria da filosofia (1847).
Como se pode perceber, estas duas correntes do
pensamento europeu do século XIX – Positivismo e Marxismo – são extremamente
diferentes entre si. No entanto, ambas influenciaram na formação da Sociologia
e acabaram por gerar correntes dentro da própria ciência que estava se
formando. Assim, podemos dizer que o pensamento sociológico se divide em duas
correntes fundamentais, de acordo com as bases em que se sustenta: a corrente
durkheimiana e a corrente weberiana.
A sociologia durkheimiana
Herdeiro do pensamento positivista de August Comte, o
também francês Émile Durkheim (1858-1917) defende a ideia de que a sociedade é
um corpo coeso, com vida independente dos indivíduos que a formam. Ou seja, a
sociedade seria uma espécie de “organismo”, que, da mesma forma que os seres
vivos, possuiria, “órgãos”, que desempenhariam, cada um, uma função específica.
Podemos perceber, na visão de Durkheim sobre a sociedade, uma analogia com as
ciências biológicas, que influenciaram o pensamento positivista. Durkheim criou
ainda o conceito sociológico de “fatos sociais”. Segundo este conceito, os
acontecimentos sociais devem ser tratados como “coisas” e estudados à maneira
de uma análise de laboratório – o que constitui outra identificação com o
Positivismo, que valorizava o ponto de vista da Biologia e ciências afins.
Outros conceitos fundamentais na sociologia
durkheimiana são os de “coação social” e de “anomia”. Para Durkheim, o
indivíduo isolado está sujeito às regras sociais, que exercem uma “força”, ou
pressão, sobre o indivíduo para que este se ajuste à vida em sociedade. O
estado de anomia, por outro lado, seria o instante em que a coação social
deixaria de funcionar, levando a um estado de patologia na sociedade. Ainda
segundo o ponto de vista durkheimiano, as sociedades modernas sofrem de anomia,
pois, devido aos traumas dessas sociedades, que necessitam de uma estrutura
social complexa, os seus indivíduos não estão perfeitamente ajustados a elas.
Isto geraria diversos problemas, dos quais o suicídio seria um dos sintomas. As
principais obras de Durkheim são: Da
divisão social do trabalho (1893); Regras
do método sociológico (1894); O
suicídio (1897); As formas
elementares da vida religiosa (1912).
A sociologia weberiana
Ao contrário de Durkheim, que leva em conta a
preponderância da sociedade sobre o indivíduo, o alemão Max Weber (1864-1920)
considera que é o indivíduo o agente por excelência da sociedade. A ação
social, para ele, está condicionada à ação individual, uma vez que ele
considera que a ação social é determinada pela “conduta dos outros” em
sociedade. A conduta ética é, pois, fundamental no pensamento weberiano, pois
dela decorre toda a vida em sociedade.
Embora o ponto de partida da vida em sociedade seja
o indivíduo, a ação deste, porém, só pode ser levada em conta, para Weber, de
acordo com a ação dos demais, o que exprime, deste ponto de vista, o fenômeno
da vida em sociedade. Do ponto de vista weberiano, a sociedade humana constitui-se
não apenas num “sistema social”, isto é, um sistema de vida coletiva, mas sobretudo a ação
resultante dessa associação é dotada de sentido,
sendo isto precisamente o que constitui a especificidade do estudo sociológico.
Weber critica ainda a analogia entre o sistema
social e o sistema dos organismos vivos, pois, para ele, a base do estudo
sociológico é um método fundamentalmente interpretativo, que não pode ser
aplicado às ciências naturais. Essa base interpretativa é o fundamento da “sociologia
compreensiva” de Weber.
Segundo Weber, os tipos de ação social se dividem
em:
·
ação social racionalizada por fins:
determinada por expectativas de fins racionalmente perseguidos, em que são
avaliados os meios e as consequências;
·
ação social racionalizada por valores:
determinada em razão da crença num valor, seja este ético, estético, religioso,
etc. Pressupõe um planejamento consciente, em oposição à ação afetiva. Porém,
em comum com esta, não busca o sentido no resultado alcançado, mas na própria
ação;
·
ação social afetiva:
determinada por estados sentimentais atuais. Poder ser uma reação a um estímulo
extraordinário, fora do cotidiano;
·
ação social tradicional:
determinada por um costume arraigado. Encontra-se na fronteira entre uma
imitação puramente reativa e uma ação com sentido, aproximando-se ainda da ação
social racionalizada por valores.
Ramos e
conceitos da Sociologia
A Sociologia também se divide em vários ramos,
relacionando-se ainda com diversos campos do saber. São alguns ramos da
Sociologia, entre muitos outros:
. Sociologia do Conhecimento: estuda as condições
sociais de produção do saber humano.
. Sociologia da Arte: estuda as várias formas de
arte, como expressões da cultura humana.
. Sociologia da Economia: estuda as várias formas de
sobrevivência das sociedades humanas, isto é, os modos-de-produção através dos
quais uma sociedade é capaz de garantir a sua reprodução.
. Sociologia da Religião: estuda as diversas
religiões presentes nas sociedades contemporâneas.
. Sociologia da Comunicação: estuda as diversas
formas de comunicação das sociedades atuais.
Além disto, a Sociologia se utiliza de diversos
conceitos em seu campo de estudo, de modo geral, tais como: grupos sociais, estrutura social, sociedade, sociedade ocidental, sociedade oriental, sociedades complexas, sociedades não-industriais, minorias, sistemas sociais, etc.
Sociólogos
famosos
Além dos fundadores das principais correntes
sociológicas, vários sociólogos deram importantes contribuições para o campo da
Sociologia, desde as suas origens. Entre muitos, podemos enumerar: o inglês
Herbert Spencer (1820-1903), o húngaro Karl Mannheim (1893-1947), o norte-americano
Talcot Persons (1902-1979), os franceses Roland Barthes (1915-1980), Michel
Foucault (1926-1984) e Pierre Bourdieu (1930-2002), e os alemães George Simmel
(1858-1918), Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940), Max
Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898-1979) e Jürgen Habermas (1929), sendo estes cinco últimos
integrantes da chamada Escola de Frankfurt.
No
Brasil, temos, como mais conhecidos, os sociólogos
Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Florestan
Fernandes (1920-1995), Herbert de Souza, o Betinho (1935-1997), Antonio
Candido (1918-2017) e Fernando Henrique Cardoso (1931).
Em
resumo, a Sociologia, com seu vasto campo de estudo, que se relaciona com
diversas áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Filosofia, a Psicologia,
entre outras, é uma ciência fascinante, que tem, em última instância, como
objeto de análise, o fundamento primordial de toda sociedade humana: o próprio
ser humano.
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