Monday, August 10, 2009

Feliz Dia dos Pais, Bentinho!

Ontem, domingo, comemorou-se mais um Dia dos Pais, e esta data merece, além dos parabéns e comemorações devidas, também uma reflexão. Ser pai não é lá coisa muito fácil. Não apenas pelo fato de ser o pai, tradicionalmente, o "provedor", o "responsável" - tarefa que, muitas vezes e em muitos casos, é assumida por mães - mas sobretudo pelo aspecto social. A paternidade é, antes de mais nada, um construto social, pois apenas recentemente a tecnologia científica colocou à disposição da sociedade o recurso do "teste do DNA", permitindo assim dirimir eventuais dúvidas em casos de paternidade suspeita ou de investigação de paternidade, isto é, paternidade não assumida. Nesse último caso, quando há uma recusa da parte do homem em submeter-se ao teste do DNA, a Justiça brasileira aceita como comprovação da paternidade "fatos sociais", tais como provas de convívio, depoimentos de testemunhas, etc. Voltando ao teste do DNA, esse grande avanço científico, com o tempo, certamente contribuirá para gerar mudanças no interior dos próprios valores sociais. Porém, por longo tempo antes desse importante evento, a confirmação da paternidade esteve sujeita unicamente à palavra materna, confirmada por uma série de ritos sociais que a validam, sendo o casamento o mais evidente deles.
Ora, deter o pleno conhecimento sobre a paternidade do filho é um poder muito grande, conferido biologicamente à mulher, pois, salvo em casos específicos e raros, a maternidade está acima de qualquer suspeita. Esse amplo poder, porém, foi, em tempos imemoriais, arrebatado à mulher, evidentemente por meios nada pacíficos inicialmente, que resultaram na submissão feminina e foram depois referendados "socialmente", permitindo ao homem moldá-lo aos seus próprios interesses. Assim surgiram as sociedades fundadas no patriarcalismo, do qual faz parte o próprio elemento ordenador da sociedade ocidental, independentemente de sua feição capitalista: o patrimonialismo, que, tal como o patriarcalismo, funda-se na figura do Pater, o pai.
Na literatura brasileira, a questão da paternidade como construto social, inserida em um determinado contexto histórico, foi exemplarmente trabalhada por Machado de Assis, na obra-prima Dom Casmurro. Ali vê-se, mais do que o eterno "dilema da dúvida", e mais do que a justificativa de um advogado com formação de seminarista para os seus atos covardes contra mulher e filho, ali vê-se a vacilação do homem diante do poder feminino, simbolizado pelos "olhos de ressaca" de Capitu. Uma "ressaca" que se abre em fuga ao domínio do Patriarca, ameaçando mesmo "tragá-lo". "Capitu era mais mulher do que eu era homem", afirma, a certa altura de suas memórias, no capítulo 31, "As curiosidades de Capitu", o próprio Bento Santiago.
Numa última tentativa de validar o exílio imposto por ele a Capitu e seu filho na Europa, Bento Santiago afirma, ao final do livro, que "a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos", e reivindica ainda a cumplicidade do próprio leitor: "se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca" (cap. 148, "E bem, e o resto?"). No entanto, não era apenas a "fruta" que estava "dentro da casca". Dentro da fruta, bem guardada como um segredo, também havia uma semente - a semente do conhecimento da paternidade, acessível apenas a Capitu. Essa semente, capaz de provocar algum tipo de mudança (indesejável) na sociedade escravocrata e patriarcal do Brasil oitocentista, não deveria mesmo germinar.