Friday, December 22, 2006

Um estudo de O cortiço de Aloísio Azevedo


O cortiço, de Aloísio Azevedo, e o novo paradigma
na literatura brasileira oitocentista: o Naturalismo

Isabel Pires



A PARTIR DA COMPARAÇÃO feita por Antônio Cândido, no texto De cortiço a cortiço (1993), entre O cortiço, de Aluísio Azevedo, e O germinal, de Émile Zola, pode-se perceber que o Naturalismo no Brasil, tal como o Romantismo, ainda irá importar um modelo de romance europeu, sobretudo francês. Para Cândido, porém, enquanto Zola apresenta simplesmente o modo de vida do operário francês, num cortiço cuja característica mais marcante é a verticalidade como resultado do processo desordenado de urbanização, o cortiço de Aluísio Azevedo representa “aspectos que definem o país todo” (p. 138), superando assim a obra que lhe serviu de modelo.

A questão da importação de moldes literários também é abordada por Silviano Santiago (1978), em “Eça, autor de Madame Bovary”. Nesse texto, de 1970, o autor se propõe a analisar “o problema da passagem de uma estrutura existente em dada cultura, no caso a francesa, para outra, ou outras, a portuguesa e a brasileira” (p. 54), estudando as relações entre O primo Basílio, de Eça de Queirós, e Madame Bovary, de Flaubert. Assim, podemos chegar à conclusão de que houve em Portugal, tanto quanto no Brasil, a adoção de um modelo francês de literatura na segunda metade do século XIX. Para Silviano:

“(...) a obra segunda guarda pouco contato com a realidade imediata que rodeia o seu autor. Por isso, são inúteis e mesmo ridículas as críticas que se dirigem à alienação do autor, impondo-se antes uma revisão da propriedade com que utiliza um texto já no domínio público e sobretudo a tática que inventa para agredir o original, abalando os alicerces que o propunham como elemento único e de reprodução impossível” (Santiago, op. cit., p. 58-9).

Antônio Cândido (op. cit.), ao contrário, percebe, na adoção do modelo de romance francês, no Brasil, algo para além de uma simples relação periferia-metrópole:

“Se pudermos marcar alguns aspectos dessa interação talvez possamos esclarecer como, em país subdesenvolvido, a elaboração de um mundo ficcional coerente sofre de maneira acentuada o impacto dos textos feitos nos países centrais e, ao mesmo tempo, a solicitação imperiosa da realidade natural e social imediata” (Cândido, op. cit., p. 125).

Deste modo, enquanto para Santiago a adoção de um modelo literário da metrópole européia resulta numa espécie de “alienação” do autor em relação à sua realidade imediata, para Cândido, ao contrário, a problemática da realidade imediata geraria uma superação do “texto segundo” em relação ao seu modelo. Isso se deve, segundo a ótica de Antônio Cândido, à posição de “ambigüidade do intelectual brasileiro, que aceitava e rejeitava a sua terra, dela se orgulhava e se envergonhava, nela confiava e nela desesperava, oscilando entre o otimismo idiota das visões oficiais e o sombrio pessimismo devido à consciência do atraso” (Cândido, op. cit., p. 139). Para ele, o Naturalismo brasileiro, ao propor o determinismo do meio e da raça como fatores incontroláveis de degradação da sociedade, faz com que os intelectuais e os políticos da época percam de vista “a dimensão mais acessível, que são os aspectos sociais, onde está a chave” (p. 139), e que seriam revelados somente mais tarde, com os estudos sociológicos de Gilberto Freyre.[1]

Flora Sussekind (1984), por sua vez, tem visão diversa sobre o Naturalismo no Brasil. Para ela:

“Ao invés de proporcionar um maior conhecimento do caráter periférico do país, o texto naturalista, na sua pretensão de retratar com objetividade uma realidade nacional, contribui para o ocultamento da dependência e da falta de identidade próprias ao Brasil. Pressupõe que existe uma realidade uma, coesa e autônoma que deve captar integralmente. Não deixa que transpareçam as descontinuidades e os influxos externos que fraturam tal unidade. Como o discurso ideológico, também o naturalista se caracteriza pelo ocultamento da divisão, da diferença e da contradição.” (Sussekind, op. cit., p. 39)

Assim, o que é apresentado por Cândido como contradição inerente ao Naturalismo brasileiro, decorrente de uma posição sobretudo ambígua, Flora vê, nesse mesmo texto, um “ocultamento” da contradição de que é formada a sociedade brasileira.

Deixando, porém, de lado as questões ideológicas subjacentes ao Naturalismo no Brasil — como, de resto, a todos os estilos literários, brasileiros ou não — tentaremos enfocar, no texto de Aluísio Azevedo, aspectos do paradigma que ele se propõe a adotar.

Em O cortiço, a mistura das raças, que começa a ser abordada pela literatura no Brasil como um dado concreto da sociedade brasileira, é vista incontestavelmente como algo negativo e mesmo degradante na conformação dessa mesma sociedade. A “Estalagem de São Romão”, ou seja, o cortiço onde se desenrola a história do livro, abrigando imigrantes italianos, colonos portugueses, brasileiros pobres, mulatos e mestiços de todo o tipo transforma-se, na ótica de Aluísio Azevedo, num lugar brutal, onde vida e morte pouco valem, espécie de charco no qual fermentam vícios e paixões animalizadas, expondo o lado vil da existência humana. Assim, o meio também se revela, pelo paradigma naturalista adotado, como fator de conformação social. Em O cortiço, pois, o paradigma naturalista irá substituir o paradigma de literatura como “documento da história”, presente no Romantismo. Deste modo, no ambiente do cortiço, os personagens, de acordo com o novo paradigma, são reduzidos à condição de “documentos humanos” (Riedel, s/ data), servindo de estudo da “patologia” da sociedade, em que a raça e o meio têm papel preponderante.

O cortiço, embora composto por personagens individualizados, cada um com sua história de vida própria, se sobrepõe à individualidade para ser “a comuna” (O cortiço, p. 113), tornando-se assim um personagem coletivo, resultante da mistura orgânica entre a “terra fumegante e a umidade quente e lodosa” (op. cit.,p. 26). A essa organicidade do cortiço, onde fermenta e lateja a vida, como grande laboratório a céu aberto, se opõe a inorganicidade da “imponente pedreira”, ao fundo:

“Meio-dia em ponto. O sol estava a pino; tudo reverberava à luz inconciliável de dezembro, num dia sem nuvens. A pedreira, em que ela batia de chapa em cima, cegava olhada de frente. Era preciso martirizar a vista para descobrir as nuanças da pedra; nada mais que uma grande mancha branca e luminosa, terminando pela parte de baixo no chão coberto de cascalho miúdo, que ao longe produzia um efeito de betume cinzento, e pela parte de cima na espessura compacta do arvoredo, onde se não distinguiam outros tons mais do que nódoas negras, bem negras, sobre o verde-escuro” (O cortiço, p. 47).

A pedreira surge, então, como o simétrico oposto do cortiço. Essa oposição simbólica entre os dois “personagens” — a pedreira, de um lado, e o cortiço, do outro — irá ser o referente básico para as diversas dicotomias trabalhadas no interior da narrativa.[2] Assim, o cortiço será identificado diretamente com a dimensão orgânica, enquanto a pedreira, por seu turno, identificará a dimensão inorgânica da narrativa:

“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.” (O cortiço, p. 26)

“Aqueles homens gotejantes de suor, bêbedos de calor, desvairados de insolação, a quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra, pareciam um punhado de demônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante que os contemplava com desprezo, imperturbável a todos os golpes e a todos os tiros que lhe desfechavam no dorso, deixando sem um gemido que lhe abrissem as entranhas de granito.” (O cortiço, p. 48)

Ocorre, deste modo, uma clara oposição entre a pulsão de vida, representada pela organicidade de que o cortiço é portador, e a pulsão tanática, de morte, que remete à pedreira. Assim, o cortiço é o habitat natural das lavadeiras, que “procriam com a regularidade de gado”, enquanto a pedreira é o mundo dos cavouqueiros, temida como algo capaz de “mandar um para o demo” (O cortiço, p. 49).

É, pois, a pedreira, o imponente monstro de pedra, que, ao fundo, assiste impassível à luta diária dos habitantes do cortiço pela sobrevivência. No entanto, a essa dimensão material da existência — da qual a pedreira é o símbolo por excelência — se opõe uma dimensão ideal, representada pelas ambições pessoais de cada personagem, razão da própria luta do dia-a-dia. O português Miranda, amargando um casamento desiludido com uma “brasileira mal-educada e sem escrúpulos de virtude” (O cortiço, p. 27), almejava um título de nobreza, enquanto, por sua vez, o ideal de João Romão, o dono do cortiço, é enriquecer:

“Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações” (O cortiço, p. 25).

Firmo, o capoeira amante de Rita Baiana, queria ser contínuo numa repartição pública:

“(...) mas depois desgostou-se com o sistema de governo (...) pois não conseguiria nunca o lugar de contínuo numa repartição pública — o seu ideal! — setenta mil-réis mensais: trabalho das nove às três” (O cortiço, p. 63).

Leocádia, mulher adúltera do ferreiro Bruno, sem filhos, almejava engravidar e tornar-se ama-de-leite, para ganhar também setenta mil-réis mensais, mesmo valor por sinal da ambição do português Jerônimo, quando ele se emprega na pedreira de João Romão, à frente do trabalho dos cavouqueiros. O sonho da velha Paula, cabocla “meio idiota”, conhecida por “Bruxa”, era por fogo ao cortiço, enquanto Pombinha e a mãe, Dona Isabel, pretendiam, com o casamento da primeira, voltar à sua antiga condição social. Até mesmo o cortiço rival, Cabeça-de-Gato, igualmente uma entidade coletiva, possuía um ideal bem definido:
“(...) conservar inalterável, para sempre, o verdadeiro tipo da estalagem fluminense, a legítima, a legendária; aquela em que há um samba e um rolo por noite; aquela em que se matam homens sem a polícia descobrir os assassinos; viveiro de larvas sensuais (...)” (O cortiço, p. 202).

A única exceção era o Costa, noivo de Pombinha, “passivo e resignado, aceitando a existência que lhe impunham as circunstâncias, sem ideais próprios (...); era mais um animal que viera ao mundo para propagar a espécie” (O cortiço, p. 130). Mesmo a prostituta Léonie idealizava ter Pombinha em seus braços, enquanto Rita Baiana, embora aparentemente não tenha qualquer ideal, levando uma vida de “pândegas”, ambiciona possuir o português Jerônimo e ser possuída por ele:

“(...) desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranqüila seriedade de homem bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior” (O cortiço, p. 151).

E é na ambição de Rita de se unir à “raça superior” que o paradigma naturalista, adotado em O cortiço, fica bastante evidente, acompanhado pela “imposição do meio”:

“O cavouqueiro, por seu lado, cedendo às imposições mesológicas, enfarava a esposa, sua congênere, e queria a mulata” (O cortiço, p. 151).

A influência do meio será ainda evidente no “abrasileiramento” de Jerônimo, cujos costumes de “aldeão português” acabam por ser substituídos pelos “usos e costumes” brasileiros. E, assim como ocorre o “abrasileiramento” de Jerônimo, ocorre também uma espécie de “aportuguesamento” da negra Bertoleza, que trabalhava duro, “sempre suja e tisnada, sempre sem domingo nem dia santo” (O cortiço, p. 57), ao lado do “amigo”, o português João Romão. Bertoleza, porém, na visão deste:

“(..) era o torpe balcão da primitiva bodega, era o aladroado vintenzinho de manteiga em papel pardo; era o peixe trazido da praia e vendido à noite ao lado do fogareiro à porta da taberna; era o frege imundo e a lista cantada das comezainas à portuguesa” (O cortiço, p. 189).

No entanto, não é somente na conjugação dos fatores raça e meio que a adoção do paradigma positivista se evidencia na obra de Aluísio Azevedo. Este também é claramente demonstrado pela pretensa imparcialidade[3] com que o ponto de vista de cada personagem é apresentado. Ou seja, é oferecida ao leitor, igualmente, a visão — ou “versão” — que cada um possui acerca dos fatos em que se envolvem: Rita Baiana e Piedade, Jerônimo e Firmo, João Romão e Bertoleza, Leocádia e Bruno, Dona Estela e Miranda, etc., numa perfeita simetria, tal como a existente entre a pedreira e o cortiço, e que fica bem denotada na primeira luta entre Jerônimo e Firmo:

“Agora a luta era regular: havia igualdade de partidos, porque o cavouqueiro jogava o pau admiravelmente; jogava tão bem quanto o outro jogava a sua capoeiragem” (O cortiço, p. 112).

As relações de gênero, dentro da narrativa, também serão mediatizadas por uma flagrante oposição: Bertoleza versus João Romão, Estela versus Miranda, Rita Baiana versus Firmo, Piedade versus Jerônimo, Leocádia versus Bruno, etc. Tal oposição seria, mais uma vez, simbolizada, pela oposição fundamental pedreira versus cortiço, evidenciada nas profissões de Leocádia e do marido: ama-de-leite e ferreiro, remetendo, a primeira, à fertilidade e à organicidade, enquanto Bruno, cuja profissão remete à inorganicidade, seria também estéril, não conseguindo engravidar sua mulher.

O aspecto simétrico da obra, porém, não surge apenas em seu caráter de oposição, mas também como similaridade. Nesta ótica, os personagens Botelho e Libório — o parasita pobre que leva uma vida de aparência no sobrado rico e o mendigo que tinha um tesouro escondido no seu quarto miserável do cortiço — são mais similares que opostos. Do mesmo modo, o sobrado do Miranda e o cortiço do João Romão mais se aproximam do que diferem, como se evidencia na fala do soldado de polícia Alexandre, defendendo os companheiros das ofensas do dono do sobrado:

“Se os moradores da estalagem jantavam em companhia dos amigos, lá em cima o Miranda também estava comendo com os seus convidados!” (O cortiço, p. 66).

Assim, sobrado e cortiço surgem simetricamente não mais em oposição, mas como similares, na medida em que o primeiro encerra ainda os mesmos elementos que fundamentam o segundo: a figura do português, o Miranda, a brasileira “mal-educada e sem escrúpulos”, representada por Dona Estela, os trabalhadores, as mestiças, e, finalmente, a “flor pura e inocente”, Zulmira, simétrico-similar de Pombinha. O sobrado afigura-se, desta forma, como um cortiço miniaturizado, exibindo mesmo a presença de um hóspede, o Henrique, que — tal como os “hóspedes” de João Romão, que custeiam o seu aluguel na estalagem — tem a sua estadia na casa do Miranda também custeada, não com o seu próprio trabalho, mas com a gorda mesada do pai fazendeiro.

Com efeito, no final do livro as rígidas fronteiras entre o sobrado e o cortiço se dissolvem, não apenas com a perspectiva do casamento de João Romão e Zulmira, mas principalmente com a reconstrução da estalagem após o incêndio:

“À esquerda, até onde acabava o prédio do Miranda, estendia-se um novo correr de casinhas de porta e janela, e daí por diante, acompanhando todo o lado do fundo e dobrando depois para a direita até esbarrar no sobrado de João Romão, erguia-se um segundo andar” (O cortiço, p. 181).

Finalmente, mais um traço do paradigma positivista da ciência adotado em O cortiço pode ser percebido pela ausência de julgamento da conduta dos personagens, cujo extremo é a impunidade dos crimes cometidos (os roubos e falsificações de João Romão, o assassinato de Firmo por Jerônimo e seus cúmplices, os excessos da polícia, etc.). Nesse aspecto, O cortiço se distancia drasticamente do Romantismo, e em especial da obra de José de Alencar, que encerra juízos de valor, com conseqüente “julgamento” e “condenação” da conduta dos personagens, como ocorre em Lucíola, com a morte da prostituta Lúcia.

Ao final do livro, o suicídio de Bertoleza é acompanhado de uma ironia que, porém, ao contrário da fina ironia contida nos textos de Machado de Assis, é apresentada de forma bastante caricatural:

“(...) parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha, de casaca, trazer [a João Romão] respeitosamente o diploma de sócio benemérito.

“Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas” (O cortiço, p. 207).


BIBLIOGRAFIA


AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. Traços biográficos, bibliografia e introdução de Dirce Cortes Riedel. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d.

___________ . O cortiço. Texto integral cotejado com a edição original (Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1890). Prefácio de Rui Mourão e posfácio de Carlos Faraco. 36ª ed. São Paulo: Ática, 2000.

___________ . O mulato. Textos selecionados por Antônio Dimas. São Paulo: Abril Educação, 1980.

CÂNDIDO, Antônio. "De Cortiço a Cortiço". In: O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993, p. 123-152.

FREYRE. Gilberto. Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. 1º vol., 8ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954.

SANTIAGO, Silviano. "Eça, autor de Madame Bovary". In: Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1978.

SUSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.












[1] Embora conservador, o pensamento sociológico de Gilberto Freyre se contrapõe ao racismo de Oliveira Vianna e de outros sociólogos contemporâneos a ele, que viam no fenômeno da mestiçagem ocorrida no Brasil um fator de degradação da raça brasileira. Para Freyre, ao contrário, a mistura das raças era um fator positivo na formação do povo brasileiro. Dessa idéia, nasceu o mito da democracia racial brasileira, base de todo o pensamento do sociólogo pernambucano. Segundo esse mito, o fenômeno da miscigenação representa uma “confraternização” entre as três raças formadoras da sociedade brasileira — o português, dominador, o índio, natural da terra, e o negro, vindo da África em posição subalterna (ver Freire, 1954).
[2] Dirce Cortes Riedel (s/d) destaca a oposição sobrado versus cortiço, a qual, segundo o seu ponto de vista, encobre a oposição “ganância x ganância, ladinagem x ladinagem, exploração x exploração” (Riedel, op. cit., p. 14). Rui Mourão (2000), por sua vez, considera como a “verdadeira oposição” de O cortiço a que se dá entre “cabras e galegos”, ou brasileiros e portugueses.
[3] Flora Sussekind (1984) questiona a pretensão de imparcialidade adotada pelo Naturalismo brasileiro, vendo no texto naturalista um “truque” ou “ilusão extratextual” com o objetivo de despertar no leitor a impressão de uma “materialidade dos ‘fatos’ do ‘real’” (Sussekind, op. cit., p. 98).

Wednesday, December 20, 2006

Arrebol ou: nada como um dia depois do outro

Não, não é fácil...

“Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados. / Ah que medo de começar e ainda nem sequer sei o nome da moça. Sem falar que a história me desespera por simples demais. O que me proponho contar parece fácil e à mão de todos. Mas a sua elaboração é muito difícil. Pois tenho que tornar nítido o que está quase apagado e que mal vejo. Com mãos de dedos duros enlameados apalpar o invisível na própria lama.” (Clarice Lispector, em A hora da estrela)