Friday, September 09, 2022

Teses sobre Feuerbach - Marx e Engels

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (I – Feuerbach). Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977.

 

Palavras-chave: materialismo histórico, praxis, relações sociais entre os indivíduos, condições materiais de existência, modo de produção, alienação, consciência.

 

A ideologia alemã se constitui numa resposta crítica à filosofia neo-hegeliana, surgida na Alemanha da primeira metade do século XIX, e que tinha em Ludwig Feuerbach o seu principal representante, ao lado de Bruno Bauer e Max Stirner. Nesta obra inacabada, composta de “rascunhos” e “anotações”, Marx e Engels expõem sua concepção materialista da história, de bases científicas, em oposição à concepção “idealista” de Feuerbach. Ao contrário de Feuerbach, que vê na ação do indivíduo isolado o princípio da realidade, Marx e Engels consideram a ação dos homens em sociedade, ou seja, o conjunto das relações sociais, que constituem uma determinada praxis. Eles partem do princípio de que as relações sociais entre os indivíduos, e entre estes e a natureza, são determinadas historicamente, a partir das condições materiais de existência herdadas das gerações passadas. É mediante a praxis, ou seja, a ação dos indivíduos em sociedade, que essas condições materiais serão desenvolvidas, constituindo desta forma o “modo de produção” de uma dada sociedade. A seguir, apresentamos as famosas “Teses sobre Feuerbach”, que integram A ideologia alemã, de Marx e Engels.

 

Teses sobre Feuerbach*

(Ad Feuerbach, 1845)

 

I

 

O principal defeito de todo materialismo até aqui (incluindo o de Feuerbach), consiste em que o objeto, a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, como praxis, não subjetivamente. Eis porque, em oposição ao materialismo o aspecto ativo foi desenvolvido de maneira abstrata pelo idealismo, que, naturalmente, desconhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis — realmente distintos dos objetos do pensamento: mas não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva. Por isso, em A Essência do Cristianismo, considera apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano, enquanto que a praxis só é apreciada e fixada em sua forma fenomênica judaica, suja. Eis porque não compreende a importância da atividade “revolucionária”, “prático-crítica”.

 

II

A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na praxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da praxis — é uma questão puramente escolástica.

 

III

A doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Ela deve, por isso, separar a sociedade em duas partes — uma das quais é colocada acima da sociedade.

A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como praxis revolucionária.

 

 IV

 Feuerbach parte do fato da autoalienação religiosa, da duplicação do mundo em religioso e terreno. Seu trabalho consiste em dissolver o mundo religioso em seu fundamento terreno. Mas o fato de que este fundamento se eleve de si mesmo e se fixe nas nuvens como um reino autônomo só pode ser explicado pelo autodilaceramento e pela autocontradição desse fundamento terreno. Este deve, pois, em si mesmo, tanto ser compreendido em sua contradição, como revolucionado praticamente. Assim, por exemplo, uma vez descoberto que a família terrestre é o segredo da sagrada família, é a primeira que deve ser teórica e praticamente aniquilada.

V

Feuerbach, não satisfeito com o pensamento abstrato, quer a intuição; mas não apreende a sensibilidade como atividade prática, humano-sensível.

 

VI

Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais.

Feuerbach, que não empreende a crítica dessa essência real, é por isso forçado:

1.      A abstrair o curso da história e a fixar o sentimento religioso como algo para-si, e a pressupor um indivíduo humano abstrato, isolado.

2.      Por isso, a essência só pode ser apreendida como “gênero”, como generalidade interna, muda, que liga de modo natural os múltiplos indivíduos.

 

VII

Por isso, Feuerbach não vê que o próprio “sentimento religioso” é um produto social e que o indivíduo abstrato por ele analisado pertence a uma forma determinada de sociedade. 

 

VIII

 Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na praxis humana e na compreensão dessa praxis.

  

IX

O extremo a que chega o materialismo intuitivo, isto é, o materialismo que não apreende a sensibilidade como atividade prática, é a intuição dos indivíduos singulares e da sociedade burguesa.

 

 X 

O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade civil; o ponto de vista do novo é a sociedade humana ou a humanidade social.

 

 XI

Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.

 

***



* Versão integral.

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