Crônicas de verão III - Perdido no Rio
Passava
das três da tarde quando a família, vinda da Tijuca, chegou à praia, lotada, do
Arpoador. Barracas e cadeiras de lona plástica disputando os mínimos espaços nas areias congestionadas. Àquela hora, ninguém parecia querer arredar pé dali: verdadeiros
“ratos de praia”, chegaram cedo e não pretendiam sair antes que os últimos raios
de sol se enterrassem lá para os lados do Dois Irmãos.
O mais novo da família recém chegada às areias, cinco anos incompletos, partiu em direção à água, enquanto a matrona desabava seus 80 anos de praia na cadeira sob a barraca.
O mais novo da família recém chegada às areias, cinco anos incompletos, partiu em direção à água, enquanto a matrona desabava seus 80 anos de praia na cadeira sob a barraca.
Verão
praticamente sem chuvas no Rio, para a felicidade de mineiros, paulistas,
argentinos e cariocas. Há muito tempo não se via uma estiagem tão prolongada,
um Rio tão 40 graus como neste verão. Aqui e acolá, uma mãe de biquini com as
mãos na cabeça, a incerteza corroendo a consciência: o filho (ou filha)
perdeu-se, afogou-se? Foi sequestrado(a)?! E de repente, para alívio geral, a criança é encontrada. Indiferente, o menino, ou menina, não parece compreender a
agitação à sua volta, as lágrimas da mãe, as recriminações e felicitações dos
banhistas. Não entende nem mesmo o picolé, que ganha como uma espécie de
prêmio. E todos voltam à monotonia das barracas, um ou outro fiapo de conversa
rolando solto no vento.
Era por
volta de quatro da tarde quando o rapaz muito branco, barba por fazer,
perguntou à matriarca da família tijucana, que descansava sob a barraca azul,
se poderia deixar ali suas coisas, enquanto dava um mergulho. “É só um
instante. Vocês já estão indo?”.
— Pode
ir, filho. Não se apresse. Não vamos sair daqui agora.
O moço
deixou as coisas aos pés da matriarca: bermuda e camiseta enroladas e, entre
elas, visíveis, o celular e a carteira com os documentos. Também havia o par de
chinelos, que uma das filhas recolheu para debaixo da cadeira. “Melhor colocar
tudo aqui embaixo. Vai que tem arrastão!”.
— Não
estão mesmo indo?, certificou-se ele.
— Não.
Também acabamos de chegar, disse, com ar cúmplice, a outra filha, saboreando
sua cerveja gelada.
E
ficaram, mãe e filhas, especulando um pouco de onde o moço seria, até que se
esqueceram dele por completo.
O genro
chegou, no mesmo instante em que o rapaz, já menos branco, retornava da água.
“Será que vocês poderiam olhar minhas coisas só mais um pouco?”.
— Fique
à vontade, reafirmou a matriarca, enquanto o rapaz, agradecendo muito, zarpava
em direção ao mar.
Os
preços na praia estavam “surreais”, a nova moeda deste verão, mas nem por isso
os ambulantes dos isopores de latinhas de bebidas eram menos requisitados. Surreal também era a água do mar, geladíssima, sob um sol de 40 graus. Efeito, talvez, do aquecimento global. Quem sabe, as calotas polares, em processo de derretimento, enviassem suas águas geladas para a orla carioca? O fato é que os banhistas que se aventuravam no mergulho deviam se sentir como uma lata de cerveja boiando dentro de um isopor cheio de gelo.
Foi
quando o pai e o filho mais velho foram mergulhar que a ventania começou,
ameaçando levar a barraca que a senhora, com seus 80 anos de idade, agarrava
vigorosamente. Uma das filhas ajudou a fechá-la. Em volta, muitos acompanharam
o movimento e, em pouco, a praia era um deserto de barracas fechadas.
O
garoto, ao retornar da água com o pai, não aprovou a ideia: “O cara vai se
perder, se a gente fechar a barraca”.
— Cara?
Que cara?!
— É
mesmo! O cara do mergulho. Vocês o viram na água?
A
família já preocupada, imaginando o pior: “Será que ele se afogou?”.
— Que
nada, foi só dar uma volta. Daqui a pouco ele vem.
Reabriram
a barraca. E nada do moço aparecer.
Quem
apareceu, majestoso, foi o por do sol, paralisando a todos para uma justa
reverência. Já começava a escurecer. E a família toda postada em volta do
celular do moço, à espera de uma chamada que nunca vinha.
Que
fazer: ir embora ou esperar mais um pouco?
— Vamos
levar as coisas. Com certeza, ele vai fazer contato, vai ligar para o próprio celular.
Já estavam
enrolando a barraca e fechando as cadeiras, decididos, quando o filho apontou,
há alguns metros atrás deles: “Olha, pai”.
Era o
moço? Seria? Barba por fazer, sunga preta... Mas tão moreno, que não parecia
ser ele. Em dúvida, pai e filho se aproximaram.
—
Desculpe, mas... por acaso... você está procurando suas coisas? Documentos, roupas...
O rapaz,
cheio de culpa: “Gente, desculpa fazer vocês esperarem tanto. Mas é que o por
do sol...”.
— Tudo
bem, está tudo bem. A gente sabia que ia te encontrar.
—
Cheguei a pensar que vocês já tinham ido.
— É, a
gente estava indo mesmo.
— Mas
suas coisas estavam seguras. Você ia fazer contato, não ia?
—
Pessoal, nem sei como agradecer.
—
Esquece. Deixa pra lá.
Afinal,
era verão. Turistas no Rio. E o por do sol no Arpoador.
Uma das
filhas resolveu perguntar: “De onde você é mesmo?”.
E o
rapaz, enquanto calçava os chinelos: “Da Tijuca”.
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