Thursday, January 03, 2013

Crônicas de verão II - A caminho de Copacabana


Isabel Pires
Embora seja dia “útil”, o noticiário da televisão mostra as praias da Cidade Maravilhosa “bombando” sob o sol de 40 graus, repletas de banhistas, surfistas, turistas... Desde que o sol nasce até quando se põe – mais de 12 horas de sol. Acho que alguns sequer vão para casa, devem dormir por ali mesmo, se refrescando à beira d’água.
Os termômetros implacáveis, o sol dominando todo o céu – nem um fiapo de nuvem ousa disputar a primazia do astro-rei. E me surge, não sei de onde, uma inveja danada de quem pode aproveitar a praia num dia como este. Num dia como este, por exemplo, os “istas” das praias não precisam enfrentar o trânsito infernal, onde o calor parece redobrar de tamanho, principalmente dentro dos ônibus lotados.
Consulto o relógio: treze horas e quarenta e cinco minutos de uma tarde de verão intenso no Rio de Janeiro. Tudo parado na Av. Presidente Vargas, em direção à Zona Sul. O que terá havido? Acidente? Passeata na Av. Rio Branco? Uma coisa, porém, é certa: vou me atrasar. Ah! A praia... Meio que devaneio de olhos bem abertos, protegidos por óculos escuros. E penso em anotar na lista de itens a comprar mais um: filtro solar. Fator 50, talvez.
O ônibus finalmente dá um arranco e começa a se mover, embora lentamente. Estamos próximos da Central, a temida Central do Brasil, onde os pivetes batem livremente celulares, correntinhas de ouro, carteiras, enfim, tudo o que puderem. Os mais ousados levam até bolsas, deixando a dona da bolsa desesperada e atônita. Todo cuidado é pouco. Os ônibus param, no ponto ou no sinal, e lá vem o ataque repentino: as mãos hábeis penetram pelas janelas e saem fugindo a todo vapor. Parecem ter asas nos pés. Nada os detém.
Dou uma conferida na rua, enquanto o ônibus encosta junto ao meio-fio para embarque e desembarque de passageiros. E subitamente, antes que alguém perceba o que está de fato acontecendo, eles entram por todos os lados: pelas portas dianteira e traseira, pelas janelas. São muitos, entre sete e 15 anos. A maioria apenas de bermuda, alguns de short e camiseta sem manga.
Imediatamente ocorre uma debandada entre os passageiros que, assustados, correm para a porta e vão saindo aos trambolhões, sem olhar para trás. Eu fico inerte. O lugar onde estou é próximo à roleta, bem distante da porta de saída. Pelo retrovisor, posso ver o rosto do motorista, e percebo que seus olhos acompanham, pelos espelhos, o movimento dos pivetes no interior do ônibus. Mas suas mãos estão presas ao volante, e ele nada pode fazer. 
Não sei se tiro ou não os óculos. Acho melhor ficar bem quieta, fingindo indiferença. Ou devo fingir que estou dormindo?
Abro a bolsa (devo estar louca), vasculhando uma caneta. Pego um pedaço de papel e começo a rabiscar alguma coisa, apenas para espantar o nervosismo. Em seguida, lembro dos papeis guardados no envelope que trago comigo. Uma cópia de uma lei que preciso estudar. Puxo a tal lei e enfio a cara dentro do papel, quando de repente sinto um toque no meu cotovelo.
— Moça!
— O que é?!
Ele me encara, um pingo de gente. Deve ter uns oito anos, se muito. De bermudas e chinelos havaianas aquela criaturinha parece, na verdade, desamparada diante de mim. Os olhos grandes e vivos me encaram. E a pergunta:
 — Esse ônibus passa em Copacabana?

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