A Batalha
Isabel Pires
A vassoura numa mão, o ouvido colado à porta do
banheiro, atenta. Continuava o barulho lá dentro. De repente, cessou. Abriu a
porta com cautela. Apenas uma fresta. Espiou. Nada. Mas não podia deixar-se
enganar. Sabia que ela estava ali, em qualquer ponto, pronta para atacar. A
sombra na parede era enorme. Fechou rápido a porta, assustada. Voltou à posição
inicial, com o ouvido colado à porta. Apenas um leve ruído fazia-se ouvir
agora. Respirou fundo, tomando coragem. Quem sabe, abrindo de uma só vez a
porta, ela não se assustaria e então seria mais fácil? Não. Era loucura só em
pensar uma coisa dessas. Segurou o trinco, que escorregou sob a palma úmida da
mão. Foi abrindo a porta devagar, de mansinho, aumentando aos poucos o
retângulo luminoso no chão do pequeno corredor. O objetivo era abrir toda a
porta. Assim. Dentro, o silêncio era total, imóvel. Observou o pedaço de vidro
quebrado da janela. Fora por ali que ela penetrara. Agora, escondia-se. Segurou
com as pontas dos dedos no cabo da vassoura. Vasculhou atrás da pia, no teto,
dentro do box, atrás do vaso. Nada. Tudo limpo, seco. A toalha. Devia estar lá.
Aproximou-se de mansinho, batendo com a vassoura num ponto estratégico. Antes
de ver o resultado, recuou apavorada. E se tivesse acertado? Nada, porém. A
toalha sacudiu-se num frêmito e voltou ao lugar, tranquila. Onde, onde ela se
escondia? Descansou um instante a mão no trinco da porta, a outra mão ainda
segurando a vassoura, um ar perplexo no rosto. Tinha de descobrir. O trinco do
outro lado da porta tocou na parede, e logo a seguir o ruído fez-se ouvir,
semelhante a uma faca afiada raspando de leve, fracamente, um chão de cimento.
Vinha detrás da porta. Estava lá, então. Tomou posição para o ataque, segurando
firmemente a vassoura. Olhou com cuidado atrás da porta. Sim, lá estava ela.
Golpeou-a com a vassoura, mas não conseguiu acertar e recuou, humilhada. Aquilo
era demais. Mais fácil ignorá-la. Não. Teria de enfrentá-la de uma vez, e
melhor que fosse já, antes que a noite se fizesse sentir mais. Abriu totalmente
a porta do banheiro, agora decidida. Localizou-a na parede oposta. Lá estava
ela, desprotegida, sem defesa. Não havia erro. Abandonou a vassoura. Melhor um
chinelo. Por via das dúvidas, atirou o chinelo da porta mesmo. Em cheio no
alvo. Ela caiu meio zonza, baratinada. Era agora. Tomou a vassoura,
aproximando-se agressivamente. Mas foi tarde. Ela conseguiu, mais uma vez, safar-se,
embora cansada, já sem fôlego. Bateu a porta, se pondo novamente à escuta.
Vinha de dentro um barulho arquejante. Faltava pouco para o final da batalha.
Foi abrindo a porta, atenta, a postos para o ataque. Ela se debatia no chão.
Atirou o chinelo, que pegou de raspão. Ela tentou reagir, mas não mais
adiantava. A vassoura veio certeira. Mais uma. E mais outra, e outra. O baque
seco da vassoura ecoava no ladrilho do banheiro. Agora, sim. Finalmente
vencida, a batalha. Enxugou o suor da testa, vitoriosa. Fora difícil, mas
conseguira. Pegou mais uma vez a vassoura, mais uma vez necessária, e recolheu
na pá de lixo o cadáver da mariposa chacinada.
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