Wednesday, May 01, 2013

A Batalha

Isabel Pires

 
A vassoura numa mão, o ouvido colado à porta do banheiro, atenta. Continuava o barulho lá dentro. De repente, cessou. Abriu a porta com cautela. Apenas uma fresta. Espiou. Nada. Mas não podia deixar-se enganar. Sabia que ela estava ali, em qualquer ponto, pronta para atacar. A sombra na parede era enorme. Fechou rápido a porta, assustada. Voltou à posição inicial, com o ouvido colado à porta. Apenas um leve ruído fazia-se ouvir agora. Respirou fundo, tomando coragem. Quem sabe, abrindo de uma só vez a porta, ela não se assustaria e então seria mais fácil? Não. Era loucura só em pensar uma coisa dessas. Segurou o trinco, que escorregou sob a palma úmida da mão. Foi abrindo a porta devagar, de mansinho, aumentando aos poucos o retângulo luminoso no chão do pequeno corredor. O objetivo era abrir toda a porta. Assim. Dentro, o silêncio era total, imóvel. Observou o pedaço de vidro quebrado da janela. Fora por ali que ela penetrara. Agora, escondia-se. Segurou com as pontas dos dedos no cabo da vassoura. Vasculhou atrás da pia, no teto, dentro do box, atrás do vaso. Nada. Tudo limpo, seco. A toalha. Devia estar lá. Aproximou-se de mansinho, batendo com a vassoura num ponto estratégico. Antes de ver o resultado, recuou apavorada. E se tivesse acertado? Nada, porém. A toalha sacudiu-se num frêmito e voltou ao lugar, tranquila. Onde, onde ela se escondia? Descansou um instante a mão no trinco da porta, a outra mão ainda segurando a vassoura, um ar perplexo no rosto. Tinha de descobrir. O trinco do outro lado da porta tocou na parede, e logo a seguir o ruído fez-se ouvir, semelhante a uma faca afiada raspando de leve, fracamente, um chão de cimento. Vinha detrás da porta. Estava lá, então. Tomou posição para o ataque, segurando firmemente a vassoura. Olhou com cuidado atrás da porta. Sim, lá estava ela. Golpeou-a com a vassoura, mas não conseguiu acertar e recuou, humilhada. Aquilo era demais. Mais fácil ignorá-la. Não. Teria de enfrentá-la de uma vez, e melhor que fosse já, antes que a noite se fizesse sentir mais. Abriu totalmente a porta do banheiro, agora decidida. Localizou-a na parede oposta. Lá estava ela, desprotegida, sem defesa. Não havia erro. Abandonou a vassoura. Melhor um chinelo. Por via das dúvidas, atirou o chinelo da porta mesmo. Em cheio no alvo. Ela caiu meio zonza, baratinada. Era agora. Tomou a vassoura, aproximando-se agressivamente. Mas foi tarde. Ela conseguiu, mais uma vez, safar-se, embora cansada, já sem fôlego. Bateu a porta, se pondo novamente à escuta. Vinha de dentro um barulho arquejante. Faltava pouco para o final da batalha. Foi abrindo a porta, atenta, a postos para o ataque. Ela se debatia no chão. Atirou o chinelo, que pegou de raspão. Ela tentou reagir, mas não mais adiantava. A vassoura veio certeira. Mais uma. E mais outra, e outra. O baque seco da vassoura ecoava no ladrilho do banheiro. Agora, sim. Finalmente vencida, a batalha. Enxugou o suor da testa, vitoriosa. Fora difícil, mas conseguira. Pegou mais uma vez a vassoura, mais uma vez necessária, e recolheu na pá de lixo o cadáver da mariposa chacinada.

 

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