Wednesday, September 12, 2012

Tirésias: aparência versus transcendência

Isabel Pires

O cego Tirésias é um dos mais célebres adivinhos da mitologia grega. Muitos atribuem o seu dom à condição da cegueira. Deste modo, ele teria o poder de “enxergar a verdade” desprovida de condicionamentos (culturais, sociais, sexuais, etc.). O personagem aparece em várias tragédias do chamado “ciclo tebano”, como Rei Édipo e outras, nas quais desempenha papel-chave, com seu poder de desvendar a verdade. O dom de Tirésias, porém, não se restringe somente à adivinhação. Segundo a lenda, ele também possuía o conhecimento sobre o homem e a mulher, pois, quando jovem, ao se deparar, no monte Citorão, com um casal de serpentes copulando, teria matado a fêmea, imediatamente transformando-se em mulher e permanecendo nesta condição durante sete anos. Ao cabo deste período, ao se deparar novamente com outro casal de serpentes que copulava, Tirésias desta vez matou o macho, recuperando assim o sexo masculino. Por causa deste conhecimento, foi convocado por Zeus e Hera para decidir a controvérsia sobre quem sentia mais prazer sexual: se o homem ou a mulher. Ao afirmar que “se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove e o homem com apenas uma”, Tirésias suscitou a cólera de Hera, que o cegou. Para compensá-lo, Zeus concedeu-lhe o dom da adivinhação. De acordo com outra versão do mito, foi Atenas quem o teria cegado, ao perceber que o jovem Tirésias a espiava enquanto ela tomava banho, nua, em uma fonte. Porém, atendendo a um pedido da mãe do rapaz, Atenas deu-lhe o poder de adivinhar, além de compreender a linguagem dos pássaros.
Reunindo, em uma só personagem, a condição feminina, a masculina e a da cegueira, o mito de Tirésias trabalha com o conceito de aparência, fundamental na concepção filosófica grega. Tirésias é, assim, um personagem imbuído da ética grega: a mesma que se acha presente tanto nas tragédias quanto na Filosofia. Para a filosofia platônica, pensamento dominante na cultura grega, o mundo das aparências, no qual vivemos, é um mundo enganoso, frágil, em que não se pode confiar. O mundo transcendental das ideias, ao contrário, é o mundo onde reside a Verdade, o bem supremo a que devemos almejar. Tirésias é, pois, um personagem sobretudo ético: possuindo a capacidade de “ver além das aparências” e se colocando acima delas, ele defende a transcendência que, desse ponto de vista, se confunde com a própria Verdade, por conseguinte, com o “mundo real”. Ou seja, a única “realidade” a que a Filosofia dos gregos se permitia almejar.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home