Tuesday, August 05, 2008

Série mini-resenhas III - O azul do filho morto

MIRISOLA, Mirisola. O azul do filho morto. São Paulo: Editora 34, 2002, 176 p.

Isabel Pires

Os escritos de Marcelo Mirisola parecem ser a confirmação de que a lei de Murphy existe mesmo: quando você pensa que tudo está dando errado, as coisas ainda vão piorar. E muito. A saga do herói “mirisoliano” – um narrador que conta tudo em primeiríssima pessoa, testemunha declarada dos mínimos detalhes, até mesmo do “cocozinho amarelo” da avó entrevada –, com sua obsessão por mamilos, não poderia ser mais crua, cruenta e cruel, para se confirmar tão-somente uma existência irremediavelmente sem sentido. Em O azul do filho morto, após as inúmeras lambidas de tapumes e azulejos imundos, visitas aos quartos das empregadinhas e trepadas com putas de luxo ou não, ainda tem a compota do feto azul com olhos de girino, o incêndio da “bela casa de praia com vista para o mar” e a combustão dos fantasmas azuis e alaranjados, ao som do tango Adios Nonino, que Astor Piazzolla compôs para seu pai, e que, com certeza, o filho não nascido do narrador jamais poderia compor-lhe. No entanto, esse narrador parece encontrar algum consolo no “fantasminha boboca metido a sabichão do Machado de Assis”, pois, segundo ele, “pior do que deixar filhos é deixar livros. Os filhos podem esquecê-lo e renegá-lo – a despeito de seu legado, de suas misérias. Até perdoá-lo. Os livros, não. São filhos amaldiçoados (os melhores, evidentemente) e mortos-vivos para sempre”. Como este O azul do filho morto. Será?

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