Friday, August 03, 2012

Sobre o conceito de História - Walter Benjamin

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A História é manobrada ocultamente pela teologia, que utiliza o materialismo histórico.

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A História procura a salvação no passado, onde também está a felicidade, se tornando, o passado, objeto da História (“coisa sua”).

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A História deveria levar em conta os grandes e os pequenos acontecimentos, como faz um cronista. Porém, somente a humanidade redimida é capaz desta totalidade.

4

A luta de classes objetiva valores materiais, sendo os valores espirituais elementos questionadores da vitória dos que dominam.

5

O historicismo fixa o passado, ao passo que o materialismo histórico não captura “a verdadeira imagem do passado que perpassa veloz”, pois, dada sua velocidade, o passado se acha continuamente dentro do presente.

6

A tarefa do materialismo histórico é salvar o passado de ser mero instrumento das classes dominantes, tornando-se o Messias que não apenas “salvou” o passado, mas que “venceu o anti-Cristo”.

7

O historicismo possui empatia com os vencedores, beneficiando os dominadores que se apropriam, barbaramente, dos bens culturais, transmitindo a cultura também barbaramente. A tarefa do materialista histórico é “escovar a História a contrapelo”, rompendo com a empatia.

8

O “estado de exceção” é uma regra geral, na medida em que fala em nome do progresso, considerado pelos próprios adversários do fascismo como “norma histórica”. Assim, a tarefa do materialista histórico é originar o “verdadeiro” estado de exceção, para se fortalecer na luta contra o fascismo.

9

O passado é repugnante para a História. Para ela, o passado não é uma “cadeia de acontecimentos”, mas uma “catástrofe única” entulhada e dispersa pelo presente. O progresso, impulsionando a História para o futuro, impossibilita a reconstrução do passado.

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A política deve ser retirada das “malhas do mundo profano” em que foi enredada pelos traidores dos adversários do fascismo. “Malhas do mundo profano”: fé no progresso, apoio das massas e subordinação servil a um “aparelho incontrolável”.

11

O progresso técnico desvirtua a noção de trabalho, condicionando-a politicamente. Daí decorre o conceito de uma natureza “grátis”, isto é, que coopera, através da técnica, facilmente com o homem.

12

A social-democracia não aceita a ideia de ser, a classe oprimida e combatente, o sujeito do conhecimento histórico por excelência. Transfere, então, o papel de libertadora, próprio da classe oprimida, para o futuro, “desativando suas melhores forças”.

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Para a social-democracia, o progresso técnico é: 1) da humanidade em si, e não apenas de suas capacidades e conhecimentos; 2) sem limites, atingindo a perfeição; 3) processo automático e inflexível. Esta ideia está associada à de que a humanidade “marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo”. (Se tudo é inflexível e sem limites, o tempo se torna sem sentido, mecânico).

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A História não se constrói no “tempo vazio e homogêneo”, mas em um tempo “saturado de agoras”, que empresta atualidade ao passado. A burguesia aproveitou este fato para fazer sua revolução. A revolução marxista também é um “salto dialético”, dado, porém, “sob o livre céu da História”.

15

A consciência histórica é resguardada pelos calendários, que se tornam “monumentos”, marcando, “sob a forma de dias feriados”, suas reminiscências. Daí a diferença entre calendários e relógios, que “não marcam o tempo do mesmo modo”.

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Enquanto para o materialista histórico o presente é transição, o historicista “apresenta a imagem ‘eterna’ do passado”, fixada no tempo vazio e homogêneo. O materialista histórico, ao contrário, detém o continuum da História, através do “tempo de agoras”.

17

A História Universal, construída através do historicismo, não possui validade teórica, pois “seu procedimento é aditivo”. O materialismo histórico, ao contrário, preserva e transcende a totalidade do processo histórico, através do tempo no interior do objeto histórico.

18

O “agora” é incomensuravelmente mínimo na História. (E se a História é feita de “tempos de agoras”, a própria História torna-se mínima perante si mesma.)

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(Fonte: BENJAMIM, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: _________ . Obras Escolhidas, vol. 1, 2. ed., São Paulo: Brasiliense, 1986. Adaptado por Isabel Pires)

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