Quincas Borba, o cinema e a literatura*
Isabel Pires
Atualmente, há um amplo consenso em torno da idéia de que estética cinematográfica e literatura caminham de mãos dadas, cada vez mais unidas, gerando uma espécie de “híbrido” cultural que alguns estudiosos, como Therezinha Barbieri, denominam “ficção impura” – conceito que busca caracterizar a contaminação recíproca entre escrita literária e os produtos da chamada “indústria cultural”, entre eles, o cinema. Com efeito, tal “intercâmbio” pode ser comprovado pelas diversas adaptações cinematográficas das mais variadas obras literárias, fenômeno verificado não só no cinema nacional. Autores brasileiros contemporâneos, como Rubem Fonseca, Raduan Nassar, João Ubaldo Ribeiro, Marçal Aquino e, mais recentemente, Sérgio Sant’Anna, entre outros, tiveram obras adaptadas para o cinema.[1] Na via contrária, a presença de uma “marca cinematográfica” na literatura também é assumida pelos escritores. A respeito da confluência de imagens cinematográficas em sua obra, João Gilberto Noll, por exemplo, declara:
"Eu escrevo com o desejo de fazer outra coisa – cinema. Existe um simulacro cinematográfico em minha literatura. Meu desejo está muito mais na realização cinematográfica do que na literatura. Só não fiz cinema porque era muito mais fácil fazer literatura e também porque eu era muito tímido. Mas entre Antonioni e Thomas Mann, fico com Antonioni. E isto lembrando que ler Thomas Mann é algo que me comove até às lágrimas. A voltagem poética da palavra é tão emancipadora quanto a do cinema". (Em entrevista ao Jornal de Brasília em 31/10/1990, transcrita por Barbieri, 2003:75).
Também não seriam poucos os escritores que escreveriam suas obras “roteirizando-as” intencionalmente, de olho não apenas num muito possível mercado cinematográfico, mas exercendo mesmo uma profissão paralela à de escritor: a de “roteirista de cinema”. Além disso, haveria a adoção de uma “linguagem cinematográfica” pela literatura contemporânea. Como observa ainda Therezinha Barbieri, “no repertório de inovações da linguagem literária, resultantes de seu contato com o cinema, não há dúvida de que o nome de Rubem Fonseca é dos mais representativos, não só por se tratar de um escritor ligado à produção de filmes, fornecedor de argumentos e preparador de roteiros, mas sobretudo porque, em seus contos e romances, adota com sucesso invenções da sintaxe cinematográfica” (2003: 65). Se, nos dias que correm, o cinema não é nenhuma novidade, e se à sua influência – bem como à influência dos variados bens culturais-industriais, como cartazes, rádio, televisão, jornal, revistas, cds, dvs, etc. – estão expostos os autores contemporâneos, que praticariam uma espécie de imersão da palavra literária no caldo turvo da cultura pop-industrial, tornando-a cada vez mais “impura”, o que dizer da escrita de alguém que viveu no Brasil na virada do século XIX para o XX, quando o cinema, ainda incipiente, se restringia praticamente à Europa e estava muito longe ainda de exercer qualquer influência numa escala massificada como a de hoje?
É Machado de Assis – que, segundo seus biógrafos, nunca se afastou do Rio de Janeiro – o escritor oitocentista brasileiro que, talvez apenas intuitivamente, talvez na busca consciente de uma nova linguagem, demonstra nos seus escritos uma espantosa proximidade com a técnica recém-descoberta da cinematografia.[2]
Deixando de lado o “realismo fotográfico” do Naturalismo – empenhado em “retratar o real” a fim de esmiuçá-lo à luz de teorias positivistas –, a técnica empregada por Machado de Assis em seus escritos se aproximaria muito mais dos recursos utilizados pelo cinema, como cortes, montagens e emendas. O estudo comparativo das duas versões do romance Quincas Borba – o qual foi publicado em folhetins no período de 15 de junho de 1886 a 15 de setembro de 1891, e em livro em 1891 –, focado na reestruturação narrativa da obra, efetuada pelo autor quando da passagem de uma versão para outra, evidencia uma grande aproximação da técnica machadiana com o mesmo tipo de técnica empregada pelo cinema, anos mais tarde. Assim, ao se valer de recursos coincidentemente utilizados pelo cinema anos depois, o trabalho de reconstrução da narrativa, efetuado pelo autor do Quincas Borba, se afastaria definitivamente da concepção fotográfica dos textos naturalistas, antecipando, na literatura, a revolução que o cinema viria provocar.
As mudanças efetuadas na versão do Quincas Borba publicada em livro são tantas e tais, que levou John Gledson a comentar ser “surpreendente que não haja ainda nenhuma descrição adequada, sistemática, das alterações feitas por Machado” (1986: 69). Com efeito, no cotejo das versões do romance machadiano, pode-se constatar o corte de capítulos inteiros, ou grande parte deles, o que implicou um “lamentável sacrifício literário”, sobretudo de “algumas finas observações psicológicas”, como enfatiza Augusto Meyer (1964: 175). No entanto, diferindo do ponto de vista de Meyer, que considera que tais cortes obedeceram ao princípio de “só deixar o que parecia [a Machado de Assis] menos desarmônico, (...) [n]uma espécie de intuição cirúrgica” (op. cit., p. 174), considero que, na versão em livro, o foco narrativo foi evidentemente “fechado” sobre a figura de Rubião, eliminando-se deste modo as passagens que não possuem relação direta com o protagonista Rubião.
No livro, já na abertura, que se dá em medias res, toda a cena é dedicada a Rubião, instalado confortavelmente em sua mansão em Botafogo, e pensando na “bela Sofia”. No folhetim, embora Rubião também figure no capítulo de abertura, outro personagem ali impõe a sua presença: o filósofo Quincas Borba, em seu leito de morte. Embora o narrador afirme “não precisar dele”, e que ele “vai morrer, como disse o médico”, a simples presença de Quincas Borba e a expectativa que se cria quanto ao seu estado de saúde obrigam Rubião a dividir a cena de abertura da narrativa com ele. Observe-se ainda que a apresentação de Rubião, “que estava familiarmente sentado na cama”, ocorre de forma bastante passiva na abertura do folhetim, ao contrário da versão em livro, na qual o protagonista domina toda a cena, imbuído de uma total “sensação de propriedade”:
Atualmente, há um amplo consenso em torno da idéia de que estética cinematográfica e literatura caminham de mãos dadas, cada vez mais unidas, gerando uma espécie de “híbrido” cultural que alguns estudiosos, como Therezinha Barbieri, denominam “ficção impura” – conceito que busca caracterizar a contaminação recíproca entre escrita literária e os produtos da chamada “indústria cultural”, entre eles, o cinema. Com efeito, tal “intercâmbio” pode ser comprovado pelas diversas adaptações cinematográficas das mais variadas obras literárias, fenômeno verificado não só no cinema nacional. Autores brasileiros contemporâneos, como Rubem Fonseca, Raduan Nassar, João Ubaldo Ribeiro, Marçal Aquino e, mais recentemente, Sérgio Sant’Anna, entre outros, tiveram obras adaptadas para o cinema.[1] Na via contrária, a presença de uma “marca cinematográfica” na literatura também é assumida pelos escritores. A respeito da confluência de imagens cinematográficas em sua obra, João Gilberto Noll, por exemplo, declara:
"Eu escrevo com o desejo de fazer outra coisa – cinema. Existe um simulacro cinematográfico em minha literatura. Meu desejo está muito mais na realização cinematográfica do que na literatura. Só não fiz cinema porque era muito mais fácil fazer literatura e também porque eu era muito tímido. Mas entre Antonioni e Thomas Mann, fico com Antonioni. E isto lembrando que ler Thomas Mann é algo que me comove até às lágrimas. A voltagem poética da palavra é tão emancipadora quanto a do cinema". (Em entrevista ao Jornal de Brasília em 31/10/1990, transcrita por Barbieri, 2003:75).
Também não seriam poucos os escritores que escreveriam suas obras “roteirizando-as” intencionalmente, de olho não apenas num muito possível mercado cinematográfico, mas exercendo mesmo uma profissão paralela à de escritor: a de “roteirista de cinema”. Além disso, haveria a adoção de uma “linguagem cinematográfica” pela literatura contemporânea. Como observa ainda Therezinha Barbieri, “no repertório de inovações da linguagem literária, resultantes de seu contato com o cinema, não há dúvida de que o nome de Rubem Fonseca é dos mais representativos, não só por se tratar de um escritor ligado à produção de filmes, fornecedor de argumentos e preparador de roteiros, mas sobretudo porque, em seus contos e romances, adota com sucesso invenções da sintaxe cinematográfica” (2003: 65). Se, nos dias que correm, o cinema não é nenhuma novidade, e se à sua influência – bem como à influência dos variados bens culturais-industriais, como cartazes, rádio, televisão, jornal, revistas, cds, dvs, etc. – estão expostos os autores contemporâneos, que praticariam uma espécie de imersão da palavra literária no caldo turvo da cultura pop-industrial, tornando-a cada vez mais “impura”, o que dizer da escrita de alguém que viveu no Brasil na virada do século XIX para o XX, quando o cinema, ainda incipiente, se restringia praticamente à Europa e estava muito longe ainda de exercer qualquer influência numa escala massificada como a de hoje?
É Machado de Assis – que, segundo seus biógrafos, nunca se afastou do Rio de Janeiro – o escritor oitocentista brasileiro que, talvez apenas intuitivamente, talvez na busca consciente de uma nova linguagem, demonstra nos seus escritos uma espantosa proximidade com a técnica recém-descoberta da cinematografia.[2]
Deixando de lado o “realismo fotográfico” do Naturalismo – empenhado em “retratar o real” a fim de esmiuçá-lo à luz de teorias positivistas –, a técnica empregada por Machado de Assis em seus escritos se aproximaria muito mais dos recursos utilizados pelo cinema, como cortes, montagens e emendas. O estudo comparativo das duas versões do romance Quincas Borba – o qual foi publicado em folhetins no período de 15 de junho de 1886 a 15 de setembro de 1891, e em livro em 1891 –, focado na reestruturação narrativa da obra, efetuada pelo autor quando da passagem de uma versão para outra, evidencia uma grande aproximação da técnica machadiana com o mesmo tipo de técnica empregada pelo cinema, anos mais tarde. Assim, ao se valer de recursos coincidentemente utilizados pelo cinema anos depois, o trabalho de reconstrução da narrativa, efetuado pelo autor do Quincas Borba, se afastaria definitivamente da concepção fotográfica dos textos naturalistas, antecipando, na literatura, a revolução que o cinema viria provocar.
As mudanças efetuadas na versão do Quincas Borba publicada em livro são tantas e tais, que levou John Gledson a comentar ser “surpreendente que não haja ainda nenhuma descrição adequada, sistemática, das alterações feitas por Machado” (1986: 69). Com efeito, no cotejo das versões do romance machadiano, pode-se constatar o corte de capítulos inteiros, ou grande parte deles, o que implicou um “lamentável sacrifício literário”, sobretudo de “algumas finas observações psicológicas”, como enfatiza Augusto Meyer (1964: 175). No entanto, diferindo do ponto de vista de Meyer, que considera que tais cortes obedeceram ao princípio de “só deixar o que parecia [a Machado de Assis] menos desarmônico, (...) [n]uma espécie de intuição cirúrgica” (op. cit., p. 174), considero que, na versão em livro, o foco narrativo foi evidentemente “fechado” sobre a figura de Rubião, eliminando-se deste modo as passagens que não possuem relação direta com o protagonista Rubião.
No livro, já na abertura, que se dá em medias res, toda a cena é dedicada a Rubião, instalado confortavelmente em sua mansão em Botafogo, e pensando na “bela Sofia”. No folhetim, embora Rubião também figure no capítulo de abertura, outro personagem ali impõe a sua presença: o filósofo Quincas Borba, em seu leito de morte. Embora o narrador afirme “não precisar dele”, e que ele “vai morrer, como disse o médico”, a simples presença de Quincas Borba e a expectativa que se cria quanto ao seu estado de saúde obrigam Rubião a dividir a cena de abertura da narrativa com ele. Observe-se ainda que a apresentação de Rubião, “que estava familiarmente sentado na cama”, ocorre de forma bastante passiva na abertura do folhetim, ao contrário da versão em livro, na qual o protagonista domina toda a cena, imbuído de uma total “sensação de propriedade”:
"Capítulo I - Rubião fitava a enseada, - eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas, em verdade, vos digo que pensava em outra cousa. Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista. Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade". (Quincas Borba – versão em livro)
Até o capítulo CXCIV da versão em folhetim, que corresponde ao capítulo CXC do livro, toda a narrativa do Quincas Borba foi praticamente reescrita, com muitos cortes e alguns acréscimos e emendas. A partir daí até o final (capítulo CCI), a narrativa sofre pouquíssimas alterações – reduzidas, basicamente, a substituições de algumas palavras e uns poucos cortes – e se dedica à fuga de Rubião da casa de saúde, onde fora internado como louco, e sua ida com o cão Quincas Borba para Barbacena. Aí, depois de um último delírio, ele morre, “não súdito nem vencido”, mas “vencedor”: “— Ao vencedor, as batatas!”.
Enquanto os cortes praticados pelo autor evidenciariam o fechamento do foco narrativo sobre Rubião, também os acréscimos introduzidos na narrativa seguiriam lógica semelhante. Assim, na versão em livro, os trechos inexistentes no folhetim também cumpririam a função de “lançar luzes” sobre Rubião, destacando-o dos demais personagens, e iluminando ora um ora outro aspecto de sua personalidade. No entanto, embora haja maior incidência de luz sobre o personagem, na versão em livro, esta não é uma “luz reveladora”, que facilmente desvendasse para o leitor a intrincada personalidade de Rubião. O seu efeito seria, justamente, o de, conferindo-lhe maior visibilidade, chamar a atenção para o seu lado de obscuridade e impossibilidade de decifração. Ou seja, a “iluminação” sobre o personagem pretenderia destacar o seu aspecto de excentricidade, que lhe confere um caráter “esdrúxulo”. Deste modo, passo ao papel que este personagem desempenharia na narrativa.
Se Rubião “representa o Brasil”, como afirma John Gledson (1986: 71), o Brasil que ele representa é, porém, o Brasil provinciano, arcaico, atrasado e inculto, em eterno contraste e anacronismo com o Brasil que se quer moderno, civilizado, avançado e culto, em perfeita sintonia com as mais desenvolvidas nações ocidentais. Deste modo, a questão da “identidade brasileira”, trabalhada à exaustão pelos românticos, que a percebiam de forma idealizada, parece ser retomada por Machado de Assis, no Quincas Borba, à luz de aspectos que ou foram negados pelo ideário romântico brasileiro, ou foram tratados pelos naturalistas pelo viés das teorias positivistas da “raça” e do “meio”.
Assim, Rubião seria a própria imagem da coexistência do atraso e do progresso numa mesma personagem. Na passagem em que ele se encontra casualmente com a baronesa que vai ao escritório de Camacho (capítulo 62 do livro, parágrafo 595), fica patente a dualidade entre o mundo luxuoso da Corte e os valores provincianos de um mestre-escola simplório. “Apesar do seu próprio luxo”, Rubião sente-se “o mesmo antigo professor de Barbacena”, em contraste com a “senhora titular, cheirosa e rica” da Corte, acostumada à sociabilidade cortesã. Observe-se ainda que essa passagem constitui um acréscimo, uma vez que não existe na versão em folhetim, e representaria um “reforço” da imagem bipartida de Rubião, oscilando entre dois mundos distintos – “luxuoso e cortês”, de um lado, e, de outro, “provinciano e inculto”.
A imagem bipartida de Rubião, que, porém, configuraria apenas um dos complexos aspectos da sua identidade, é construída, no Quincas Borba, por meio de uma narrativa que privilegia as lacunas, as margens, o meio do caminho, o “não dizer tudo”, sem falar na ambiguidade e na dubiedade, contrariando por essa forma as afirmações idealistas e indubitáveis de românticos e naturalistas. Destacando/“iluminando” o aspecto de um conflito intrínseco, decorrente da “duplicidade cultural” (Soares, 1999) que conforma a sociedade brasileira, o nome do protagonista parece apontar, deste modo, para um confronto entre o grande, o avançado, o luxuoso, o moderno, de um lado, e o pequeno, o retrógrado, o humilde, o arcaico – entre a Corte e a província, entre o Rio de Janeiro e Barbacena, entre “o Brasil do litoral” e “o Brasil do interior”.
Analisando o nome do protagonista, John Gledson conclui que Rubião “é um nome incomum, cuidadosamente escolhido, como está patente, e sua mais convincente interpretação é a de que se relaciona com o boom do café, em meados do século XIX, pois está muito próximo do nome latino do gênero ao qual pertence a planta do café, a rubiaceae” (1986: 72). No entanto, “Rubião” também pode ser um “rubi” – pedra preciosa extraída do interior da terra – que se pretende “grande”. Assim, “Pedro Rubião” seria uma “pedra rubi grande”, sendo que o Alvarenga sobreposto estaria aí complementando a ironia, conferindo ao nome uma linhagem “nobre”. Tal junção produziria, no entanto, um efeito de incompatibilidade entre a rudeza de Pedro-pedra – embora “rubi” – e a declarada nobreza dos Alvarenga, sugerindo por esta forma a “união” de dois elementos a priori “incompatíveis”.
A confluência de dois códigos distintos e, por natureza, inconciliáveis, que produz a “fratura formal” observada por Roberto Schwarz (1990), teria por conseqüência, na narrativa do Quincas Borba, o “descentramento” de Rubião, personagem “excêntrico”, que tenta acomodar em si uma duplicidade impossível, e acaba, por isto mesmo, duplamente excluído – do “jogo social” e do “jogo amoroso”, culminando por sofrer uma ruína moral e financeira, com a loucura e a falência a que é levado.
A ironia encerrada no nome do protagonista de Quincas Borba fica ainda mais patente quando se sabe que existe uma variedade de rubi, “de valor médio, pertencente ao grupo dos espinélios, empregada na confecção de mancais para relógios e instrumentos de precisão”, conforme ensina a Enciclopédia Larousse Cultural. Dessa forma, Rubião, aquele que se pretende um “rubi grande”, e, por isso, “precioso”, sequer poderia servir de matéria-prima, como os rubis de “valor médio”, para “instrumentos de precisão”. Ao contrário, à sua excentricidade, que culmina em loucura, só resta a imprecisão, a confusão e o delírio mental, somados ao “coroamento do nada”: “Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa na cabeça, – uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes e outras pedras preciosas”.
BIBLIOGRAFIA CITADA
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira / Brasília: INL, 1977, 2ª ed. (Edições críticas das obras de Machado de Assis, v. 14 e Apêndice).
BARBIERI, Therezinha. Ficção impura: prosa brasileira dos anos 70, 80 e 90. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003.
GLEDSON, John. “Quincas Borba”. In: _________ . Machado de Assis: ficção e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 58 a 113.
MEYER, Augusto. “Quincas Borba em variantes”. In: ________ . A chave e a máscara. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1964, p. 171 a 189.
SCHWARZ, Roberto . Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990.
SOARES, Luiz Eduardo. “A duplicidade da cultura brasileira”. In: SOUZA, Jessé de (Org.). O malandro e o protestante: a tese weberiana e a singularidade cultural brasileira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 223 a 235.
SÜSSEKIND, Flora. Cinematógrafo de letras: literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
[1] Marçal Aquino (Os matadores, de Beto Brant - 1997), Rubem Fonseca (Bufo & Spallanzani, de Flávio Tambellini - 2001), Raduan Nassar (Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho - 2001), João Ubaldo Ribeiro (Deus é brasileiro, de Carlos Diegues - 2002), Sérgio Sant’Anna (Crime delicado, de Beto Brant - 2006).
[2] O kinetoscópio, de Thomas Edison e W. Dickson, que reproduz o movimento de figuras para apenas uma pessoa de cada vez, foi inventado em 1889 e só chegou ao Brasil em 1894. Já o cinematógrafo dos irmãos Lumière, de 1895, cujas figuras em movimento podiam ser vistas por um grande número de espectadores, foi introduzido no Brasil em 1896 (in: Süssekind, 1987:40).
* Versão modificada do ensaio “Rubião: um excêntrico entre a província e a Corte”, publicado em BARBIERI, Ivo (org.). Ler e reescrever Quincas Borba. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003, p. 107 a 133.
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