Wednesday, October 26, 2005

A propósito de latino-americanismos


Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é dos pretos,
minha carne dos palhaços, minha fome das nuvens,
e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.
(Carlos Drummond de Andrade, em Os bens e o sangue.)


O seminário sobre literatura latino-americana – promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil de 18 a 21 de outubro de 2005, com a participação de escritores do Brasil, Cuba, Argentina, Chile e Colômbia, além de críticos, professores de literatura e jornalistas – buscou discutir aspectos variados da literatura produzida na América Latina. Os temas abordaram desde a entrada da literatura latino-americana no século XXI (a literatura “já-já”, “agora”, ou “zero-zero”, como a batizou César Aira, escritor argentino), passando pela relação com a política, até a discussão sobre o lugar ocupado pela produção literária latino-americana no mundo atual. O seminário representou, também, um esforço no sentido de uma efetiva “união cultural” entre os diversos povos latino-americanos, pois, como bem observa Luiz Ruffato, o Brasil, com sua “literatura brasileira”, estaria “de costas” para o resto da América Latina, que produziria a literatura “hispano-americana”.
Toda essa ótima e oportuna discussão e, mais ainda, o esforço no sentido da comunhão cultural latino-americana, reacende a necessidade de continuar a velha e infindável discussão sobre literatura e identidade cultural brasileiras, discussão essa que, ao mesmo tempo em que suscita novos e acalorados debates, segue girando em torno de eternas e (por que não?) fascinantes questões, algumas das quais verdadeiras aporias: pode-se chamar de “literatura brasileira” os textos literários produzidos no Brasil-colônia? Podemos falar da existência de um “pré-modernismo” e de autores “pré-modernistas”? A literatura brasileira possuiria uma feição própria, ou ainda carregaria o estigma de “importadora” dos moldes literários fabricados na Europa? Os controversos conceitos de “pós-moderno” e “pós-modernidade” podem ser apropriados para a análise da literatura produzida atualmente no Brasil? Seria, a literatura brasileira, realmente tão “ingênua”, como a definem alguns estudiosos?
Extrapoladas para além das fronteiras brasileiras e acrescidas às especificidades da literatura hispano-americana, essas questões sem dúvida contribuem para a reflexão sobre o conjunto da literatura latino-americana, ao mesmo tempo em que reafirmam a diversidade, a multiplicidade, a polivalência, pois, como observa Ivo Barbieri em um belo texto sobre Drummond, a palavra poética (e literária de modo geral) é móvel e “quase omninclusiva pois que dela nada expressamente se exclui” (Barbieri, 2003: 95), permitindo, ao contrário, transcender o locus, o meramente histórico, e tornar-se “confluência de muitos legados” (idem). Assim também podemos pensar os textos escritos a meio caminho entre a herança ocidental e a fabulação de novos referenciais, entre a página já escrita da tradição e uma nova, não necessariamente em branco, mas certamente a ser construída com o sotaque de várias etnias.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BARBIERI, Ivo. “Da memória clânica à imaginação mitopoética”. In: ROCHA, Fátima C. Dias (org.). Literatura brasileira em foco. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003.


1 Comments:

Blogger virna said...

assunto do dia. post muito interessante.
um abraço

1:11 AM  

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