Saturday, January 12, 2019

Como fazer um poema em seis lições básicas

Isabel Pires

1.      O poeta não se defronta com uma página em branco. Ele não luta com a falta do que colocar no papel, mas com a página, já preenchida, da tradição. O desafio do poeta é criar sobre esta página. Sua tarefa: encará-la “como se” estivesse vazia, com a consciência de que não está.
2.      O poeta deve livrar-se de tudo o que possa contaminar o poema, para que possa vir o poema. Neste processo, busca-se “limpar o aparelho”, descarregar tudo o que poderia ser escrito, para poder, de fato, se começar a escrever. 
3.      Um poema precisa transbordar, virar a página. Seus versos devem ir para o verso da folha. O poema não pode ater-se aos limites das margens do papel, das ideias, dos sentidos. Tudo isto necessita ser extravasado. O poema não deve nunca se conter.
4.      As formas clássicas, como o soneto (ou o verso decassílabo), determinam onde o poema acaba. Mas no verso livre, no poema solto, a tarefa do poeta é infinitamente mais difícil.
5.      A obra-prima é um acidente feliz na história da poesia. A literatura não se faz apenas de obras-primas, mas também do que está à margem, do que vem obscuro, espontâneo, truncado. Como a frase “há pessoas que até parece um absurdo”. Um poema precisa parecer vir do absurdo.
6.      A poesia não deve ser relato. A verdade do poema, sua alma, é tudo o que lhe anima, lhe dá vida. No poema são bem-vindos animais e plantas. Mas a poesia também admite coisas: jarro, toalha felpuda, dormentes. A arte do poeta consiste em escavar o sentido poético das coisas, não das palavras.



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