Como fazer um poema em seis lições básicas
Isabel Pires
1. O poeta não se defronta com
uma página em branco. Ele não luta com a falta do que colocar no papel, mas com
a página, já preenchida, da tradição. O desafio do poeta é criar sobre esta
página. Sua tarefa: encará-la “como se” estivesse vazia, com a consciência de
que não está.
2. O poeta deve livrar-se de
tudo o que possa contaminar o poema, para que possa vir o poema. Neste
processo, busca-se “limpar o aparelho”, descarregar tudo o que poderia ser escrito, para poder, de
fato, se começar a escrever.
3. Um poema precisa
transbordar, virar a página. Seus versos devem ir para o verso da folha. O
poema não pode ater-se aos limites das margens do papel, das ideias, dos
sentidos. Tudo isto necessita ser extravasado. O poema não deve nunca se
conter.
4. As formas clássicas, como o
soneto (ou o verso decassílabo), determinam onde o poema acaba. Mas no verso
livre, no poema solto, a tarefa do poeta é infinitamente mais difícil.
5. A obra-prima é um acidente
feliz na história da poesia. A literatura não se faz apenas de obras-primas,
mas também do que está à margem, do que vem obscuro, espontâneo, truncado. Como a frase
“há pessoas que até parece um absurdo”. Um poema precisa parecer vir do
absurdo.
6. A poesia não deve ser
relato. A verdade do poema, sua alma, é tudo o que lhe anima, lhe dá vida. No
poema são bem-vindos animais e plantas. Mas a poesia também admite coisas:
jarro, toalha felpuda, dormentes. A arte do poeta consiste em escavar o sentido
poético das coisas, não das palavras.
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