Monday, March 19, 2018

Minha mãe, Maria Hilma Arraes

 
 
 
“Mãe só tem uma”, menos a minha, que era mil em uma só. Parecia ter o dom da ubiquidade, para dar conta de atender todas as filhas ao mesmo tempo, especialmente quando foram chegando os netos. Ainda agora, mesmo depois que forças incompreensíveis a levaram para o desconhecido, dia 12/03/2018, uma segunda-feira, às dez e vinte da noite, posso sentir sua presença, hoje, dia 19 de março, quando completaria seus 85 anos. Essa sertaneja de raiz, nascida ao pé da serra, num ponto do mapa perdido entre o Ceará e Pernambuco, de espírito aventureiro e empreendedor, dizia que ia viver até os 100 anos. E acreditávamos nisso realmente, pois era uma verdadeira rocha, embora também tivesse alma de artista. Gostava de Gonzaguinha e de Cazuza. Dizia que eram grandes poetas. E cresci ouvindo-a recitar poemas de Augusto dos Anjos e cantar “Fascinação”. Sempre declamava um poema triste, de um poeta cearense, que somente agora, consultando a doutora Internet, fico sabendo que foi um padre que viveu no século dezenove: “O Palhaço”, de Antônio Thomaz ("Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta/E a filhinha mais nova, tão doente! /Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta, /Que a plateia o reclama, impaciente.(...)"). Costumava recitar esse poema com tanta sensibilidade e força, que não sossegava enquanto não arrancasse lágrimas de nossos olhos infantis, apesar de já o termos escutado diversas vezes, no seu timbre grave e inesquecível. Maria Ilma Arraes, era seu nome. Dona Hilma, como gostava de ser chamada, não se conformava que sua prole não tivesse seu sobrenome famoso, do qual tanto se orgulhava. É que, quando nascemos, eram os tempos bicudos de ditadura militar. E o velho Pires – “seu Pirão”, por causa do tamanho – achou por bem omitir o sobrenome da minha mãe em nossas certidões, falha que foi devidamente corrigida com o nascimento da primeira neta, Marcela Arraes. Mesmo aposentada, Dona Hilma estava sempre empreendendo algo. Não sabia costurar, mas bordava como ninguém. Então montou, com uma amiga, uma sociedade de panos de pratos, toalhas de banho e "caminhos de mesa" bordados, que quase nem eram vendidos e acabavam sendo dados de presente às filhas e netas. Também não era exatamente um primor na cozinha (perdão, mamãe), mas entrou num curso e aprendeu a fazer deliciosos pães de mel e trufas de chocolate. No noivado da Sabrina, presenteou-a com uma bandeja de bem-casados. Aprendeu especialmente a receita de um Bolo de Reis, para presentear a Marcela, nascida no dia 6 de janeiro. Era cheia de pequenas surpresas e grandes segredos. Esses últimos, levou para sempre com ela. Caminhava com pressa, mas se esquecia do tempo: levou dez anos bordando uma toalha de mesa vermelha, com imensas flores amarelas, e outros dez anos escrevendo um livro sobre o Padre Cícero, em que "bordou", pacientemente, o retrato político e religioso do "Santo do Juazeiro". Teve parentes sepultados no São João Batista mas, no dia de finados, ia até lá, visitar o túmulo de Floro Bartolomeu. Nasceu no dia de São José, mas era devota fervorosa de São Jorge, e só começou a perder a missa em louvor do santo, no dia 23 de abril, quando suas forças já não eram como antes. Que dizer mais dessa mulher cuja maior contradição era ter defeitos e qualidades em igual medida? Gostava de política, embora tivéssemos pontos de vista completamente divergentes. Votávamos na mesma sessão, e sentirei imensamente a sua falta nas próximas eleições. Como irei até a urna eletrônica sem a Dona Hilma anunciar antes, para quem quisesse ouvir, o seu voto e fazer uma boquinha de urna????? Agora, quem irá nos confortar por tão grande perda? Justo ela, que quando me via abatida, vencida, dizia, "o que é isso? Levante sua cabeça. Não há motivo para isto". E qualquer que fosse o motivo do meu sofrimento, eu a olhava e me refazia. Renascia. Nunca deixou de ser "mãe", no sentido mais puro da palavra: aquela que cuida dos filhos até o infinito, e para quem estes serão sempre os seus pequenos. Sempre me chamava de "filha do coração", e eu sabia que não era porque eu fosse adotada, mas amada. Em 2012, quando fomos comer uma pizza no aniversário do Augusto, vim direto do trabalho, e estavam já me aguardando. Falei: "Vamos?". Estava com a roupa que havia passado o dia todo trabalhando. E ela: "Não, senhora. Vá tomar um banho e trocar essa roupa. É aniversário do seu filho. Nós esperamos". Mãe, hoje é o seu aniversário, e este pequeno texto é para celebrar esta data, quando uma mulher forte, cheia de personalidade, nasceu para contar uma história bonita e singular, alegre e triste. Feliz. Plena. Aliás, mãe, você é única. Aquele que a fez, o Criador, não repetiu a fórmula, achou por bem guardar bem escondida a forma, para não haver nunca mais outra igual. Parabéns, minha mãe!!!!!




                                      
 
 















 

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