Tuesday, February 03, 2009

Papai Noel

Isabel Pires 

        Em uma noite escura e fria, papai Noel saiu de casa e foi perambulando sem rumo. Encontrou pelo caminho três órfãos, que o olharam com olhos súplices, mas papai Noel olhou-os sem os ver. Seguiu na penumbra, chutando folhas secas e assoviando um assovio que procurava imitar o som do vento. Ao dobrar uma esquina, tropeçou em um saco de estopa cinzento e roto, que devia ter servido para embalar carvão mas que agora estava vazio. O velho apanhou-o e jogou-o às costas, para se aquecer. 
        
        Este papai Noel não era pai de ninguém. E nem se lembrava de um dia ter sido sequer filho. Morava sozinho num cômodo escuro e frio como esta noite, à diferença de esta noite não ter fim. Do seu cômodo, papai Noel podia ver os outros cômodos entulhados uns sobre os outros, desordenadamente, mas agora ele via a imensidão escura do céu, e nela havia incontáveis pontos luminosos, também atulhados desordenadamente, uns sobre os outros. E como estivesse já cansado de andar sem rumo, papai Noel resolveu seguir a luz de uma destas estrelas. Não era uma estrela qualquer. Era a mais ofuscante, a mais vaidosa e fugidia. E papai Noel a seguia, resignado. E como também fosse um velho um tanto distraído, e como ainda tivesse de dividir sua atenção entre a luz da estrela e o caminho, constantemente ele tropeçava em algo. 

            Assim, papai Noel começou a juntar dentro do saco esfarrapado tudo o que encontrava à beira do caminho. Já amanhecera e ele prosseguia em sua caminhada. O saco às costas, tocado pelos raios vermelhos no céu, estava quase todo cheio, pesado, e papai Noel seguia com dificuldade. Parou numa praça abandonada. Sentou-se num banco em que faltava uma das tábuas. Ao seu lado, o saco, abarrotado, reclamava atenção. O velho tomou do saco e, antes de atirá-lo novamente às costas, espremeu dentro dele um pouco de poeira da praça e o saco ficou mais vermelho. 

            E já era noite de novo. Ele buscava a luz daquela estrela, mas não a encontrava, perdido na noite e no tempo. Caminhou assim mesmo, um largo espaço de noite. E outro dia e outra noite, papai Noel já nem mais as contava, quando a estrela caprichosa apareceu. E já era dia de novo. Na décima terceira noite, papai Noel avistou um pequeno aglomerado, como que formando uma fila. E viu que, nela, três homens levavam oferendas e as ofertavam a uma criança que não tinha mais que treze dias. O velho entrou na fila. Ao chegar sua vez, depositou com cuidado o saco vermelho aos pés da manjedoura e saiu devagar, como quem não quer nada. Enfiou as mãos nos bolsos das calças para enganar o frio, e voltou para casa assoviando um assovio que procurava imitar o som do vento.

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