Thursday, October 19, 2006

Profissão: escritor-bacharel

Los jóvenes escritores no leen, escriben. Peor aún: no escriben, publican.
(Efraim Medina Reyes, escritor colombiano)

Vez ou outra, surgem na mídia, com grande estardalhaço, notícias dando conta da criação de faculdades que, pretensamente, se dedicam a formar escritores. Ou seja, o aluno, após um curso superior regular de alguns anos, obtém um diploma que o habilita a exercer a “profissão de escritor”. A novidade, alarmista, para alguns, traz, em si, questões que são debatidas no calor da hora: um diploma de escritor é mesmo algo necessário para se escrever? Como fica o talento? E a vocação? O que pensariam os grandes escritores disso? E desfiam-se exemplos tradicionais para ilustrar a idéia de que um escritor “de verdade” não precisa de diploma algum, menos ainda o de escritor, pois em tal matéria ele já seria “naturalmente” versado.
A questão crucial, porém, não seria tanto se a simples obtenção do diploma habilitaria de fato alguém a escrever. A pergunta que se impõe é: que papel desempenharia essa nova modalidade acadêmica, validada pelo título? De imediato, imagina-se que ela possa gerar “profissionais legais”, que estariam “habilitados” a escrever. (Quanto a escrever de fato, isto já é outra história.) Ou seja, tais figuras – a dos “escritores-bacharéis” – permitiriam o surgimento massivo de ghost writes, a exemplo do que já ocorre com a “profissão de jornalista”: pessoas “habilitadas” a assinar a “autoria” de um livro – ou artigo, ou ensaio, ou reportagem, tanto faz – escrito por alguém sem diploma, mas com mais talento e, talvez, imaginação. Por outro lado, a criação de tal curso pode estar ligada a uma espécie de “divisão do trabalho”, refinada em alto grau, a que nós, os “latino-americanos”, além de não estarmos lá muito habituados, não compreendemos muito bem. De qualquer forma, seria preciso, ainda, encontrar um sentido para tal realidade, num país em que poucas pessoas se interessam pela leitura e, menos ainda, pela literatura. Em outras palavras – e para utilizar uma expressão cara aos gringos que aprendem a língua e a cultura brasileiras –, estão passando os carros adiante dos bois. Afinal, não é preciso ter leitores antes de escritores? Como diz Efraim Medina Reyes, escritor colombiano, “mais do que produzir escritores incessantemente, temos que formar leitores; um livro sem leitor não passa de um objeto triste e inútil”.[1]

[1] In: RESENDE, Beatriz (org.). A literatura latino-americana do século XXI. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005, p. 76.

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