Monday, August 22, 2011

Série Minirresenhas VI - A divina comédia

ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Trad. Fábio M. Alberti. São Paulo: Nova Cultural, 2002, 430 p.


Para que o instinto de amor se transforme em ato de amor, o teu entendimento recolhe imagens que, desenvolvidas no íntimo, atraem outras almas. E quando elas se entregam, essa entrega é o amor, é a própria natureza que, pelo liame do prazer amoroso, de novo se funde com o homem. E qual chama busca elevar-se, em virtude de sua forma que para o alto sempre torna, em direitura do centro onde sua remota origem ainda arde; é pelo desejo que a alma se incendeia, num impulso espiritual que não aplaca enquanto do objeto amado não consegue a posse ambicionada. (Dante, p. 218)


Ler a obra-prima de Dante em tradução para o português acarreta sempre perdas – que não podemos estimar – do seu conteúdo original, escrito em versos e em dialeto toscano (matriz do italiano atual), na Florença do início do século XIV (1307-1321). Ainda assim, o leitor brasileiro pode se maravilhar com o texto, publicado em edição popular pela editora Nova Cultural. Na Internet, também é possível encontrar outras versões traduzidas, bem como o texto original de Dante, e quem souber italiano, poderá saboreá-lo integralmente.

Considerada precursora do Renascimento, A divina comédia, ao mesmo tempo em que resgata a cultura italiana – sobretudo a língua –, traz à cena os valores da Antiguidade Clássica, misturando-os à religião católica, visto que Dante, em seu longo passeio literário, é acompanhado pelo poeta Virgílio, emblema da cultura romana antiga, enquanto, pelo caminho, vai se deparando com personagens mitológicos do panteão greco-romano e do velho e novo testamentos da Bíblia.

A divina comédia se divide em três partes: “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”, cada uma com 33 cantos (à exceção do “Inferno”, que possui 34 cantos, sendo o primeiro de caráter introdutório), numa referência, talvez, à idade de Cristo, figura maior que, embora não explicitamente nomeada, acompanha o leitor pelas entrelinhas do texto, até o seu final, quando o narrador – o próprio Dante – se depara com a imagem divina em todo o seu esplendor e glória. O texto de Dante é, pois, um monumento de fé, um louvor ao Cristianismo – encerrando, por outro lado, ácida crítica à “Igreja terrena”, instituição que, nos tempos do poeta florentino, padecia de inúmeras mazelas.

As referências ao contexto político italiano e às crises por que passava Florença, cidade natal de Dante, marcam presença n’A divina comédia, fazendo com que muitos a vejam como uma alegoria do contexto de sua época. No entanto, o livro de Dante é, também, um canto ao amor, personificado na figura de Beatriz, sua amada que morreu tão jovem e aquela que irá conduzi-lo na escalada do Paraíso em direção à presença divina. Personagem soberana no texto, Beatriz é a personificação da virtude e da beleza, fazendo jus a um lugar no Paraíso. Como as “damas” das novelas de cavalaria dos séculos XI e XII, a quem os cavaleiros prestavam serviços e deviam honrarias, Beatriz é a fonte de inspiração do poeta, o seu sonho intangível, o seu “amor cortês”, sendo homenageada não somente n’A divina comédia, mas também em diversos sonetos, baladas e canções que compõem o Canzoniere de Dante.

Recheado de “efeitos especiais” dignos de um Steve Spielberg – dos quais se sobressaem os castigos impostos às infelizes almas nos círculos infernais –, o livro talvez fizesse enorme sucesso numa adaptação para o cinema, se não fosse pelo seu conteúdo arraigadamente religioso, fator que certamente o afasta dos interesses mercadológicos de Hollywood.

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