Friday, August 27, 2010

Diógenes Laertios e os Sete Sábios

Isabel Pires

Agora, ao levantar-me, apesar do cansaço de ontem, meti-me a ler algumas páginas de Prometeu de Ésquilo, através de Leconte de Lisle; ontem entretive-me com o Phedon de Platão, também de manhã; veja como ando grego, meu amigo. (Machado de Assis, em carta a Mário de Andrade)



O estudo da filosofia antiga é uma tarefa bastante árdua, pois as fontes são precárias, confusas ou simplesmente não existem mais. Muitos estudiosos de hoje devem ao trabalho de pesquisa de Diógenes Laertios, que viveu no século III e compilou boa parte do pensamento dos filósofos antigos, o conhecimento de que dispõem. Mesmo em sua época, Diógenes já se ressentia dessas lacunas e o seu esforço foi, em grande medida, no sentido de sanar tal dificuldade. As origens da filosofia, segundo o próprio Diógenes, são difíceis de desvendar, não se podendo afirmar com exatidão quem foram os primeiros filósofos, nem mesmo o local de surgimento. Diógenes cita, no início do seu trabalho, autores que dizem terem existido filósofos entre os persas, os babilônios, os indianos e os egípcios, para logo em seguida reafirmar a origem helênica da filosofia: “Esses autores ignoram que os feitos por eles atribuídos aos bárbaros pertencem aos helenos, com os quais não somente a filosofia mas a própria raça humana começou” (Livro I, 4º §). O trabalho de Diógenes Laertios, deste modo, se constitui antes de mais nada em uma defesa da cultura grega, em seu sentido mais amplo.

Ironicamente, porém, pouco se sabe sobre o autor de Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres (ou simplesmente Vidas dos filósofos), havendo dúvidas quanto ao seu nome – se Diógenes Laertios ou Laertios Diógenes –, local de nascimento e a época em que viveu, levando os estudiosos a situarem sua obra de acordo com os últimos filósofos mencionados por ele. Da mesma forma, suas convicções filosóficas são ignoradas, podendo-se afirmar com certeza apenas que ele dedicou-se a biografar filósofos de variadas correntes e a compilar seu pensamento de forma praticamente imparcial, ainda que simplesmente copiando de outras fontes a que recorria, e das quais não raro transcrevia sem grandes cuidados. Felizmente, essa sua obra, escrita em 10 Livros, conservou-se, sendo redescoberta durante o Renascimento, quando foi, a exemplo de inúmeros outros textos gregos, reeditada, em tradução para o latim.

Se a Vidas dos filósofos de Diógenes Laertios é uma fonte valiosa de estudos, no Brasil, devemos o acesso a tal fonte ao trabalho de tradução do professor Mário da Gama Kury, que a apresenta com uma ótima Introdução, onde são disponibilizadas informações igualmente valiosas. Neste espaço, valendo-me do trabalho do professor Mário da Gama, faço um breve resumo da vida e pensamento dos filósofos apresentados por Diógenes como “precursores”, ou os “Sete Sábios”, que em sua maioria ocuparam cargos ou funções públicos e cujo desempenho e figura pública chamaram a atenção em sua época, tornando-se verdadeiras “lendas” – ainda que, enquanto filósofos no sentido estrito, muitos deles não pudessem ser assim considerados.


Os precursores da filosofia – os Sete Sábios


A respeito dos lendários “Sete Sábios”, Diógenes Laertios chama a atenção para o fato de que há diversas imprecisões nas informações disponíveis sobre eles, inclusive quanto ao número correto deles, que alguns afirmam serem 17. Nas diversas listas elaboradas pelos estudiosos, são constantes apenas quatro nomes: Tales, Sólon, Pítacos e Bias. Além disto, segundo Diógenes, “as palavras dos Sábios são registradas de maneiras diferentes, e atribuídas ora a um, ora a outro”. Estes “sábios”, além de terem sido, em sua maioria, contemporâneos entre si, e de serem considerados, quase todos, “o primeiro em sapiência” ou “o mais sábio dos sábios”, tinham em comum o gosto pela elaboração de enigmas e também o fato de terem vivido, de modo geral, por volta do ano 500 a. C., alguns um século para mais, outros para menos. Não admira, pois, que, na época de Diógenes Laertios, que viveu no século III da era cristã – quase um milênio depois dos Sábios – as dificuldades em se conhecer a vida e a obra destes “precursores” fossem imensas.

A seguir, apresento resumidamente os 11 Sábios listados por Diógenes Laertios (na mesma ordem, não cronológica, em que ele os apresenta), informando, sempre que possível, o local e ano aproximado de nascimento, suas principais características e máximas, as obras deles a que Diógenes se refere, idade aproximada da morte e, quando houver, a inscrição que consta em sua estátua ou túmulo. Para uma melhor exemplificação, inseri trechos em itálico, transcritos do texto de Diógenes, traduzido por Mário da Gama. O trabalho é encerrado com uma brevíssima conclusão.


TALES


Nasceu por volta de 640 a. C. e viveu em Miletos, cidade da Ásia Menor [atual Turquia], não se sabendo se era milésio de nascimento ou se recebeu a cidadania milésia após ser banido da Fenícia. Dedicou-se à política e depois passou a observar a natureza, quando descobriu a constelação da Ursa Menor. Sustentou pela primeira vez a imortalidade da alma. É dele o provérbio “Conhece-se a ti mesmo”, que teria sido plagiado por Quílon, outro dos Sete Sábios. Conta-se que Tales não teve filhos, e que adotou o filho de sua irmã. Quando alguém lhe perguntou por que não tivera seus próprios filhos, ele respondeu: “Por amor aos filhos”. Conta-se também que quando sua mãe tentou induzi-lo a casar-se, ele respondeu que era muito cedo, e quando, mais tarde, ela voltou a pressioná-lo, ele ponderou que já era tarde demais. Existe uma carta conservada dele a Sólon. É autor de apenas duas obras, Do Solstício e Do Equinócio, pois afirmava que os demais assuntos estavam acima da capacidade de conhecimento dos homens.


“Tales dizia que a morte não diferia da vida. ‘Por que, então’, disse alguém, ‘não morres?’ ‘Porque’, disse ele, ‘não faz diferença’. Quando lhe perguntaram quem era mais velho, o dia, ou a noite, ele respondeu: ‘A noite é mais velha por um dia’. Alguém lhe perguntou se um homem pode ocultar aos deuses uma ação má: ‘Não’, respondeu Tales, ‘nem sequer um mau pensamento’. A um adúltero que lhe perguntou se poderia negar a acusação mediante juramento ele respondeu que o perjúrio não era pior que o adultério. A alguém que lhe perguntou qual era a coisa mais difícil ele respondeu: ‘Conhecer-se a si mesmo’. ‘E qual a mais fácil?’ ‘Dar conselhos aos outros’. (...) Tales nos diz que devemos lembrar-nos dos amigos, quer estejam presentes, quer ausentes; que não devemos orgulhar-nos de nossa aparência, e sim esforçar-nos por ser belos no caráter. ‘Não devemos enriquecer de maneira condenável’ – diz Tales – ‘e nem mesmo uma palavra deve tornar-nos odiosos a quem confiou em nós’. ‘Deves esperar de teus filhos tudo que fizestes por teus pais’.” (p. 22)


Morreu aos 78 anos de idade ou, segundo Sosicrates, aos 90 anos. Sua estátua possui a seguinte inscrição: “A IÔNICA MILETOS NUTRIU E REVELOU ESTE TALES, ASTRÔNOMO ENTRE TODOS O MAIS ANTIGO PELA SAPIÊNCIA”.


SÔLON


Nasceu em Salamina e foi arconte em Atenas em 594 a. C., onde elaborou diversas leis, das quais a primeira foi a Lei da Liberação, com o objetivo de resgatar pessoas que, por força da pobreza, tomavam dinheiro emprestado e acabavam forçados a se tornarem servos. Algumas leis de Sólon: se alguém se negasse a sustentar os pais, seria punido com a privação dos direitos cívicos, assim como quem dilapidasse seu próprio patrimônio; a ociosidade era um crime pelo qual qualquer pessoa poderia fazer o ocioso prestar contas de sua vida; o guardião de um órfão não podia se casar com a mãe do tutelado; o herdeiro subsequente na sucessão, em caso de morte dos órfãos, era impedido de ser guardião dos mesmos. Sólon reduziu as honrarias concedidas aos atletas competidores, alegando ser moralmente pernicioso aumentar as recompensas dos vencedores. O povo ateniense o queria como tirano, mas ele recusou-se. Percebendo que seu parente Peisístratos intentava tomar o poder, alertou os cidadãos e foi declarado como louco pelos partidários de Peisístratos. Deu grande contribuição na preservação dos poemas de Homero. Sólon disse que o limite da vida é de 70 anos. São dele as palavras “A fala é o espelho dos atos” e também a máxima “Nada em excesso”. Ao chorar a perda do filho, alguém lhe disse “Não adianta!”, ao que ele respondeu: “Choro precisamente porque não adianta!”. Existem conservadas cartas dele a Pesístratos, Períandros, Epimenides e Croisos, e uma carta de Pesístratos para ele. Sua obra consiste nas leis que ele elaborou e inscreveu em tabuletas giratórias, discursos, exortações a si mesmo, elegias, poemas diversos, totalizando cerca de cinco mil versos.


“Conta-se que Croisos, suntuosamente vestido, sentou-se em seu trono e perguntou a Sólon se alguma vez tinha visto alguma coisa mais bela. Sólon respondeu: ‘Galos, faisões e pavões, pois eles brilham com as cores naturais, miríades de vezes mais belas’. Sólon foi viver na Cilícia e fundou uma cidade chamada Sôloi por causa de seu nome. Nela Sólon instalou uns poucos atenienses, que com o decurso do tempo corromperam a pureza do dialeto ático, e por isso dizia-se que cometiam ‘solecismos’. (...) Sólon costumava dizer que as pessoas influentes junto aos tiranos se assemelhavam aos pequenos seixos usados para calcular, pois da mesma forma que cada seixo representava ora um número grande, ora um pequeno, os tiranos tratavam cada pessoa à sua volta às vezes como importante e famosa, e às vezes como insignificante. Quando lhe perguntaram por que ele não elaborara lei alguma contra o parricídio o sábio respondeu: ‘Porque espero que ela seja desnecessária’. (...) Seus conselhos eram os seguintes: ‘Confiai mais na nobreza de caráter que nos juramentos; nunca mintais; tende em vista objetivos dignos; não sejais precipitados ao fazer amigos, mas, uma vez feitos, não os deixeis; aprendei a obedecer antes de comandar; tomai as melhores decisões, e não as mais agradáveis; fazei da razão o vosso guia; não convivais com os maus; honrai os deuses e reverenciai os pais’.” (pp. 25, 27 e 28)


Sólon morreu em Chipre, aos 80 anos de idade. Sua estátua possui a seguinte inscrição: “ESTA SALAMINA QUE PÔS FIM À INJUSTA VIOLÊNCIA DOS MEDOS GEROU SÓLON, LEGISLADOR SAGRADO”.


QUÍLON


Era lacedemônio. Foi escolhido para éforo por volta de 560 a. C., quando propôs a designação dos éforos para auxiliarem os reis. Dizia que a excelência de um homem consiste em prever o futuro até onde este pode ser discernido pela razão. Aconselhou Hipócrates a não se casar ou, se já fosse casado, divorciar-se e deserdar os filhos. É autor da máxima “Garantia dada, desgosto à vista”. Conservou-se uma carta dele a Períandros. Escreveu uma elegia de 200 versos.


“Quando lhe perguntaram qual a diferença entre o homem culto e o ignorante Quílon respondeu: ‘As esperanças fundadas’. ‘Que coisas são mais difíceis?’ ‘Guardar um segredo, usar bem o lazer, ser capaz de suportar uma ofensa’. Seguem-se alguns de seus preceitos: ‘Domina a língua, principalmente num banquete, não fales mal dos vizinhos, pois quem fizer isso ouvirá a propósito de si mesmo coisas que lamentará; não ameaces pessoa alguma, pois isso é típico das mulheres; visita mais depressa os amigos na adversidade que na prosperidade; faze um casamento modesto; nada digas de mal a respeito dos mortos; honra a velhice; guarda-te a ti mesmo; prefere um prejuízo a um lucro desonesto, pois o primeiro faz sofrer no momento, e o outro para sempre; não rias do infortúnio alheio; sê bondoso quando forte, se queres ser respeitado e não temido pelos vizinhos; aprende a ser um senhor sábio em tua própria casa; não deixes a língua antecipar-se ao pensamento; domina a ira; não abomines a arte divinatória; não desejes o impossível; não deixes pessoa alguma ver-te apressado; evita gesticular enquanto estiveres falando, pois isso é sinal de insanidade; obedece às leis; cultiva a tranquilidade’.” (p. 31)


Morreu bastante idoso em Pise, depois de congratular-se com o filho pela vitória olímpica deste no pugilismo. Em sua estátua havia a seguinte inscrição: “ESPARTA COROADA DE LANÇAS GEROU ESTE QUÍLON, O PRIMEIRO DOS SETE SÁBIOS EM SAPIÊNCIA”.


PÍTACOS


Era mitilênio. Após uma guerra contra Atenas pelo território de Aquileís, os mitilênios deram o governo a Pítacos, que exerceu o poder por 10 anos e depois renunciou. Um dos seus preceitos era: “É difícil ser bom”. Conta-se que, quando mandaram o assassino de seu filho à sua presença, Pítacos restituiu-lhe a liberdade, dizendo: “É melhor o perdão agora do que o arrependimento mais tarde”. Outros afirmam porém que o preso libertado por ele foi o poeta Alcaios, e que suas palavras foram: “A clemência é melhor que a vingança”. Uma de suas leis impunha penalidade dobrada a quem cometesse a ofensa em estado de embriaguez. Sua máxima é: “Percebe a oportunidade”. Pítacos tinha diversos apelidos: Sárapos, por causa dos pés chatos que arrastava ao caminhar; Frieiras, porque tinha rachadura nos pés; Fanfarrão, Pança, Barrigão, Desmazelado e ainda Janta-no-escuro, porque jantava sem acender a lâmpada. Conserva-se uma carta dele a Croisos. Escreveu elegias totalizando cerca de 600 versos e a obra em prosa Das leis.


“Certa vez, quando lhe perguntaram qual era a melhor coisa, Pítacos respondeu: ‘Desincumbir-se bem da tarefa presente’. (...) Quando um foceu disse que seria necessário procurar um homem excelente, Pítacos retrucou: ‘Se o buscares com muito cuidado, nunca o encontrarás’. Ele deu as seguintes respostas a diversas perguntas: ‘O que é agradável?’ ‘O tempo.’ ‘O que é obscuro?’ ‘O futuro.’ ‘O que merece confiança?’ ‘A terra.’ ‘O que não merece confiança?’ ‘O mar’. Pítacos disse que é próprio dos homens prudentes prever as dificuldades para evitar que elas se concretizem, e é próprio dos corajosos enfrentá-las quando elas aparecem. Não devemos divulgar nossos planos antecipadamente, pois se eles falharem ninguém rirá de nós. Não devemos recriminar quem quer que seja vítima de infortúnios, pois a justiça divina pode fazê-los reverter contra nós. Cumpre-nos restituir o que nos foi confiado. Não devemos falar mal de um amigo, e nem mesmo de um inimigo. Devemos praticar a piedade, amar a moderação, cultivar a verdade, a fidelidade, a competência, a habilidade, a sociabilidade e a solicitude.” (p. 33)


Morreu em 570 a. C., com mais de 70 anos de idade. Em seu túmulo havia a seguinte inscrição: “COM LÁGRIMAS MATERNAIS ESTA SAGRADA LESBOS CHORA O FINADO PÍTACOS, POR ELA GERADO”.


BIAS


Bias nasceu em Priene e é considerado o primeiro dos Sete Sábios. Exerceu a advocacia sempre na defesa do bem. Conta-se que morreu bastante idoso defendendo um cliente: depois de falar, reclinou a cabeça no colo do seu neto, enquanto o advogado da outra parte discursava. Os juízes deram ganho de causa a Bias, mas quando todos se levantaram no tribunal, perceberam que Bias estava morto. Sua máxima é: “Os homens em sua maioria são maus”. Por volta de 570 a. C. estava em seu auge. Sua obra se compõe de um poema de dois mil versos sobre a Iônia (atual Turquia).


“Ser forte, dizia Bias, é obra da natureza, porém a capacidade de ser útil à pátria é um dom da alma e da sapiência. A abundância de riquezas chega a muitos graças à sorte. Ele também disse que as pessoas incapazes de suportar o infortúnio eram realmente infortunadas; que desejar o impossível é uma doença da alma, bem como não pensar nos males alheios. Quando lhe perguntaram o que é difícil Bias respondeu: ‘Suportar dignamente as mudanças da sorte para pior’. (...) Bias dizia que devíamos medir a vida como se tivéssemos de viver muito e pouco; que devíamos amar como se um dia tivéssemos de odiar, pois a maioria das criaturas é má. Ele dava também os seguintes conselhos: ‘Sê lento para começar a agir, mas persevera firmemente na ação depois de começar’; ‘Não fales precipitadamente, pois é sinal de insânia’; ‘Ama a prudência’; ‘Admite a existência dos deuses’; ‘Não louves um homem indigno por causa de sua riqueza’; ‘Vence pela persuasão, e não pela força’; ‘Atribui as tuas boas ações aos deuses’; ‘Faze da sabedoria a tua provisão para a viagem desde a juventude até a velhice, pois ela merece mais confiança que todos os outros bens’.” (p. 36)


Em seu túmulo havia a seguinte inscrição: “ESTA PEDRA COBRE BIAS, NASCIDO NA NOBRE TERRA DE PRIENE E ORNAMENTO MAIOR DOS IÔNIOS”.


CLEÔBULOS


Nasceu em Lindos, mas Dúris afirma que era cário. Atribui-se a Cleôbulus a reconstrução do templo de Atena. Defendia que também as mulheres deveriam ser educadas e dizia que devemos prestar serviços a um amigo para conservar a amizade e ao inimigo, para transformá-lo em amigo; dizia ainda que devemos nos guardar das censuras dos amigos e das intrigas dos inimigos e que devemos aprender a suportar com dignidade as mudanças da sorte. Cleôbulos também aconselhava que, ao sair de casa, nos perguntemos o que pretendemos fazer, e a regressar, o que fizemos. Sua máxima é: “A moderação é ótima”. Conservou-se uma carta dele a Sólon. Sua obra se compõe de cantos e enigmas, com cerca de três mil versos.


Cleôbulos aconselhava a prática de exercícios físicos; dizia que devemos ouvir mais que falar; exortava-nos a optar pela instrução e não pela ignorância, a evitar palavras de blasfêmia, a ser amigos da excelência e hostis à deficiência moral, a fugir à injustiça, a aconselhar os governantes da cidade para o melhor, a não nos deixarmos dominar pelo prazer, a nada fazermos mediante violência; a educar os filhos, a pôr termo à inimizade.” (p. 37)


Morreu aos 70 anos de idade. Sobre seu túmulo há a seguinte inscrição: “ESTA TERRA DE LINDOS, ADORNADA PELO MAR E PÁTRIA DO SÁBIO CLEÔBULOS, CHORA O EXTINTO".

PERÍANDROS


Períandros era de Corinto, havendo dúvidas sobre a existência de dois Períandros, que seriam parentes, sendo um tirano e o outro o sábio, nascido na Ambracia. Aristóteles afirmava que o sábio é que era coríntio. Os que consideram que o tirano era o sábio, afirmam que ele exerceu a tirania entre 625 e 585 a. C. Sua máxima é: “Perseverança em tudo” e também “Não faças por dinheiro, pois temos de ganhar o que deve ser ganho”. Segundo consta, foi um tirano cruel. Num acesso de cólera, deu um ponta pé na esposa grávida, que a matou. Arístipos afirma que, quando jovem, Períandros manteve relações sexuais com a própria mãe, que havia se apaixonado por ele. Quando o fato foi descoberto, Períandros ficou amargurado e passou a ser severo com todos. Em seu governo, não permitia que ninguém vivesse na cidade sem seu consentimento. Dele conservaram-se as cartas endereçadas aos Sábios e a Proclés. Existe também a carta que recebeu de Trasíbulos. Sua obra se compõe de um poema exortatório de dois mil versos.


“Ele dizia que os tiranos que pretendem estar seguros devem fazer da lealdade, e não das armas, seu corpo de guarda. A alguém que lhe perguntou por que ainda era tirano, Períandros respondeu: ‘Porque é tão perigoso afastar-me voluntariamente quanto ser deposto’. Seguem-se outras frases suas. ‘A tranquilidade é bela.’ ‘A hesitação é perigosa.’ ‘ O ganho é ignóbil.’ ‘A democracia é melhor que a tirania.’ ‘Os prazeres são efêmeros, as honras são imortais.’ ‘Sê moderado na prosperidade, prudente na adversidade.’ ‘Sê invariavelmente o mesmo em relação a teus amigos, estejam eles na prosperidade ou na adversidade.’ ‘Seja qual for o teu compromisso, honra-o.’ ‘Não divulgues os segredos.’ ‘Pune não somente os transgressores mas também os que estão na iminência de transgredir’.” (p. 39)


Morreu deprimido, aos 80 anos de idade. Seu cenotáfio possui a seguinte inscrição: “ESTA TERRA DE CORINTO, PRÓXIMA AO MAR NO GOLFO, QUE FOI SUA PÁTRIA, RECEBEU PERÍANDROS, SUPREMO EM RIQUEZA E SAPIÊNCIA".

ANÁCARSIS, o Cita


Nasceu na Cítia, mas sua mãe era helênica e por isto Anácarsis falava as duas línguas. Veio para Atenas por volta de 591 a. C. Conta-se que, ao chegar à casa de Sólon, mandou dizer, por um serviçal, que ansiava por vê-lo e ser seu hóspede. Sólon respondeu pelo mensageiro que os homens costumavam escolher os hóspedes entre seus concidadãos, ao que Anácarsis retrucou que estava em sua pátria, e tinha o direito de ser tratado como hóspede. Surpreso com a presença de espírito do cita, Sólon o recebeu e fez dele um grande amigo. Devido ao seu entusiasmo pela cultura helênica, Anácarsis tornou-se suspeito de subverter as instituições da Cítia. Teria inventado a âncora e a roda dos oleiros. Conserva-se uma carta dele a Croisos. Sua obra consiste num poema de 800 versos em que ele trata das instituições dos helenos e dos citas, dissertando sobre simplicidade, frugalidade e assuntos de guerra.


“Anácarsis dizia que as vinhas produzem três tipos de uvas: o primeiro do prazer, o segundo da embriaguez e o terceiro do desgosto. (...) Quando lhe perguntaram como uma pessoa poderia evitar o risco de tornar-se alcoólatra, ele respondeu: ‘Tendo diante dos olhos a imagem repugnante dos ébrios.’ (...) Quando lhe perguntaram se havia flautas na Cítia ele respondeu: ‘Não, nem vinhas.’ (...) Insultado por um ateniense pelo fato de ser cita, o sábio respondeu: ‘Minha pátria me desabona, e tu desabonas a tua.’ À pergunta: ‘Que coisa nos homens é ao mesmo tempo boa e má?’ ele respondeu: ‘A língua.’ Anácarsis dizia que era preferível ter um amigo merecedor de grande estima a ter muitos amigos merecedores de nenhuma. Ele definia a praça do mercado como um lugar onde os homens podiam enganar-se uns aos outros e trapacear.” (p. 41)


Ao regressar à Cítia, foi morto pelo irmão, durante uma caçada. Outras versões sustentam que ele foi morto enquanto celebrava ritos helênicos. Sua estátua possui a seguinte inscrição: “REFREIA A LÍNGUA, O VENTRE E O SEXO”.


MÍSON


Seu local de nascimento é incerto, sendo que alguns dizem que ele nasceu em Quen, um povoado de Oita, e outros que era eteu, nascido em Étis, um distrito da Lacônia. Outros dizem que Míson era de Eteia, cidade de Creta. Outros ainda o consideram arcádio. Consta que seu pai era um tirano. Sabe-se que Anácarsis encontrou-se com ele em Quen e que estava no apogeu por volta de 600 a. C. Era considerado um misantropo.


“Certa vez Míson foi visto em Esparta rindo sozinho num lugar deserto, e quando alguém apareceu subitamente e perguntou a razão de seu riso sem que ninguém estivesse por perto, sua resposta foi: ‘Justamente por isso!’ Aristôxemos diz que a causa de sua existência obscura foi a circunstância de ele não haver nascido em uma cidade, e sim num povoado sem importância. Em conseqüência de sua obscuridade, alguns autores, mas não Platão, o filósofo, atribuem seus preceitos a Peisístratos. (...) Míson costumava dizer que não devemos investigar os fatos a partir dos argumentos, e sim os argumentos a partir dos fatos, pois não se reuniam os fatos para demonstrar os argumentos, e sim os argumentos para demonstrar os fatos.” (p. 42)


Morreu aos 97 anos de idade.


EPIMENIDES


Nasceu em Cnossos, na ilha de Creta e estava no apogeu por volta de 600 a. C. Usava longos cabelos, contrariando os costumes locais. Conta-se que seu pai o enviou ao campo para buscar uma ovelha perdida, mas Epimenides desviou-se do caminho e, ao meio-dia, foi tirar um cochilo em uma caverna, na qual permaneceu adormecido por 57 anos. Quando despertou, sem perceber que o tempo havia passado, foi em busca da ovelha, mas como não a achava, retornou à fazenda, a qual encontrou mudada e de posse de novo dono. Quando chegou em sua casa na cidade, viu-se cercado de estranhos que queriam saber quem era ele. Encontrando o irmão mais novo, agora um senhor idoso, tomou conhecimento do que se passara. Por causa disto, Epimenides tornou-se caro aos deuses e conta-se que ele possuía poderes divinatórios. Quando Atenas foi atingida por uma calamidade, os atenienses pediram-lhe ajuda para cumprir a determinação da sacerdotisa, que mandou purificarem a cidade. Seus poemas totalizam cinco mil versos. Também compôs uma epopéia de 6.500 versos sobre a construção da nau Argó e a viagem de Iáson a Colquis. Existe dele uma carta conservada a Sólon. Sua obra em prosa versa sobre os sacrifícios e a constituição dos cretenses.


“Fundou ainda em Atenas o templo das Eumenides, segundo o testemunho de Lôbon de Argos em sua obra Sobre os Poetas. Afirmava-se que ele purificou pela primeira vez casas e campos, e também fundou templos. Há quem sustente que Epimenides não adormeceu, mas se afastou dos homens durante algum tempo, dedicando-se a colher raízes com propriedades medicinais. (...) Demétrios relata que Epimenides recebeu das Ninfas um certo alimento e o guardou no casco de uma vaca; ingeria pequenas porções desse alimento, que era inteiramente absorvido por seu organismo, e nunca foi visto comendo outra coisa.” (p. 44)


Flêgon afirma que Epimenides viveu 157 anos; para os cretenses, ele viveu 299 anos, enquanto Xenofanes de Colofon disse que ele viveu 154 anos. Teopompos, por sua vez, diz que ele envelheceu em tantos dias quantos foram os anos em que esteve dormindo. Os lacedemônios, obedecendo a um oráculo, guardam o seu corpo.


FERECIDES


Nasceu em Siros e foi discípulo de Pítacos, tendo sido o primeiro a escrever a respeito da natureza e da origem dos deuses. Encontrava-se no apogeu por volta de 540 a. C. Conta-se que ele possuía o dom da premonição, prevendo acontecimentos futuros. Existe dele uma carta conservada a Tales, uma obra sobre os deuses e um relógio solar em Siros.


“Ferecides exortou os lacedemônios a não darem muita importância ao ouro e à prata, como diz Teôpompos nas Maravilhas, acrescentando que havia recebido essa ordem de Heracles num sonho; na mesma noite Heracles reiterou aos reis que obedecessem a Ferecides (alguns autores contam essa história a respeito de Pitágoras).” (p. 45)


Há dúvidas quanto à sua morte, não se sabendo se ele foi assassinado, suicidou-se, lançando-se do alto do monte Côricos, ou se morreu devastado pela ftiríase. Seu túmulo possui a seguinte inscrição: “O PINÁCULO DE TODA A SABEDORIA ESTÁ EM MIM, MAS SE ALGO ME ACONTECER DIZE A MEU PITÁGORAS QUE ELE É O PRIMEIRO ENTRE TODOS NA TERRA HELÊNICA. FALANDO ASSIM NÃO MINTO”.


Palavras finais


Diógenes escreveu, em sua obra (não conservada) Epigramas em todos os metros, poemas para alguns dos Sábios, transcritos por ele em seu texto conservado, e que deixo de fazê-lo aqui. Embora Diógenes Laertios tenha elaborado uma lista de 11 Sábios, e não sete, conforme a "lenda", aqueles homenageados em versos por ele são curiosamente em número de sete, conforme a seguir: Tales, Sólon, Quílon, Bias, Períandros, Anácarsis e Ferecides. Destes, o único não nascido em território grego é Anácarsis, que, contudo, mereceu ser incluído por Diógenes Laertios tanto na lista dos Sábios como na homenagem em versos. A propósito deste Anácarsis e da suspeita de subversão das instituições de sua pátria, ficou-me a seguinte dúvida: teria sido ele um dos primeiros "anarquistas" da História, ou o termo "anarquista" é que derivou-se do seu nome? Enigmas gregos...


Referência bibliográfica:


DIOGENES LAERTIOS. “Livro I – Origem e precursores da filosofia”. In: _________________. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Trad. do grego, introdução e notas de Maria da Gama Kury. 2ª edição, reimpressão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008, p. 13 a 46. [1978]

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